BOLO DE FUBÁ

Não pretendo aqui enumerar ingredientes para uma receita de bolo de fubá, até mesmo porque é um segredo de minha avó e nunca me foi revelado, não por falta de sua vontade, mas pela minha falta de intimidade nesta arte com os doces, mas analisá-lo de forma subjetiva diante de lembranças arquivadas no subconsciente.

Uma coisa eu tenho certeza, se os nossos sentidos captam e deixam gravados em nossos cérebros as sensações e impressões tais como: a imagem, a cor, o som, o tempo, o ambiente, também arquiva em algum ponto específico o perfume, o cheiro.

Muitas são as recordações da infância, dentro da simplicidade, de uma vida no interior. E também muitas são as diferenças, por melhores que sejam nossas condições nos dias atuais. Por mais “farta” que seja nossa mesa de café da manhã, diante do consumo diferenciado da zona rural, não temos aquele bolo de fubá, feito em forno a lenha, com dedicação e amor que somente um parente tem o segredo de tanta delícia, mas o seu cheiro permanece neste momento, como se eu, criança ainda, estivesse observando sua confecção e o cheiro envolvendo toda cozinha.

Neste retrocesso à infância visualizo a pequena mesa, de madeira crua, sem nenhum acabamento, verniz ou tinta, apenas o envelhecimento natural, meio preto, meio marrom, com a toalha colorida, com motivos de frutas, estendida em bico, com as pontas à meia altura do chão, sobre a mesa retangular que não era maior do que o tamanho de uma porta deitada. As cadeiras combinavam com este tipo de mobília, contrastavam pelo seu acabamento de palha envelhecida e os pés eram de troncos de árvores, este conjunto estava posicionado em um canto da cozinha onde se aproveitavam apenas quatro lugares. Tínhamos que puxa-la quando o número de visitas era maior. E, ao lado, o antigo e velho fogão a lenha de onde surgiam tantas artes, inclusive o bolo de fubá, exalando este cheiro inconfundível, familiar, delicioso, impregnado em alguma parte do cérebro. A combinação maior neste ambiente, não eram os aspectos físicos que predominavam, mas o ato de amor, de prazer, de simplicidade à vista de um pequeno menino.

O tilintar das panelas e talheres atuava como uma orquestra engraçada ao meu pequeno entendimento. O estalar da lenha, as fagulhas pulando, tudo era apenas lances corriqueiros, mas para mim tinha um aspecto de distração, ficava observando e achava engraçado. No entanto, o fogo não só era usado para o cozimento e também propiciar uma iluminação mais intensa, com o tempo percebi a influência na irradiação de energias positivas àqueles que ali se deleitavam e saboreavam o cheiro inconfundível do bolo de fubá.

Descrever alguns aspectos coloridos e materiais até mesmo pequenos sons que compunham o ambiente de uma casa de caboclo com maiores detalhes, não seria tanta dificuldade, se me esforçasse e, se fosse o principal objetivo desta narração, poderia enumerar páginas, tornando a cansativa e improdutiva, no entanto, a prioridade, a descrição do cheiro, não consigo transmiti-lo, apenas sinto. Este inconfundível cheiro de bolo de fubá, que em algumas manhãs surgi para reavivar minha memória e trazer à tona alguns momentos da infância e alertar pelo dia de hoje.

Com as facilidades que o comércio nos proporciona, pode se comprar tudo pronto, bonito e acabado. Montamos nosso café da manhã, ao nosso gosto, farto ou o suficiente, com o sabor e o cheiro peculiar de cada alimento, que no futuro alguém transmitirá. No entanto, nesta casa passaremos por muito tempo sem o bolo de fubá. Um dia talvez, eu possa reencontrá-la, e, então, humildemente pedirei a receita, para poder divulgar.

Edson Alcarde
Enviado por Edson Alcarde em 16/04/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1542178
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