FIM DE NOITE

Não venha me dizer o que fazer nesse fim de noite, quero apenas fugir de mim mesma em direção a lugar nenhum. Quero o silêncio de um abraço que senti há muito tempo e que hoje é uma lembrança singular. Quero reviver o gosto do beijo que ficou na boca sem o direito de acontecer.

Não quero ter que ver o amanhã acordar sem antes aprender a conviver comigo mesma e com essa covardia que me mata a todo instante me impedindo de andar para um futuro que não conheço. Nesse fim de noite, quero apenas fechar os olhos através de um desejo que eu me esforço para aprender a controlar.

Não quero repetir palavras sem sentido como se fosse meu pensamento a divagar pelas ruas desertas da cidade à procura de uma sombra solitária que também não sabe para onde vai. Solidão a dois é improvável que se consuma por si só.

Necessito de uma presença, sobre-humana até, mais que seja real. Que aqueça, enlouqueça e até desapareça, que me esqueça, mas que apareça de vez em quando sem convite, que entre sem bater, que deixe as marcas que nunca deixou.

Nesse fim de noite quero apenas quebrar as regras que me prendem nessa janela chamada realidade. Faça-me esquecer quem sou e quem eu fui antes de ser a cinza que sobrou da chama que um dia foi forte e aqueceu na escuridão.

Nesse fim de noite que parece que não ter fim, quero me embriagar até sair de mim. Quero gritar para espantar o tédio que se impregnou na minha roupa, no meu cabelo, na minha pele como um animal que se apossa daquilo que não lhe pertence, mas que lhe é vital.

Hoje a noite caiu mais cedo e eu permaneci no chão sussurrando meus lamentos para o vento na esperança que atravessem as esquinas e alcancem algo que não posso tocar. Vem e me diz o que aconteceu porque a luz está no fim e o tempo também.

Vou manter os olhos abertos nesse fim de noite, quem sabe a vida não me dá um sinal ou me aponta um caminho para trilhar quando o dia amanhecer. Ainda assim, vou deixar aquela roupa no armário e o sorriso naquela fotografia que se perdeu. Se a paz chegar primeiro, eu desisto dos sonhos que tive na minha velha infância.

Eu, que prometi que seria passageiro, me perdi no labirinto que existe do lado de lá. Então me joga uma corda, constrói uma ponte ou apaga da minha memória a lembrança que existiu antes e depois daquele encontro inesperado.

Eu só não quero continuar com o gosto amargo do silêncio em minha boca nem com essa sensação estranha de que havia algo prestes a acontecer. Quero me livrar dessa ansiedade louca que me consome e que rouba o resto da minha tranqüilidade deixando meu coração inquieto e triste diante de tua ausência.

Escuta o que minha alma teima em negar ou deixa que o tempo destrua os laços que insistimos em manter. Devolve a serenidade que eu tinha no olhar antes da nossa despedida porque nesse fim de noite o que eu quero é apenas dormir.

Denisia de Oliveira
Enviado por Denisia de Oliveira em 16/04/2009
Código do texto: T1542157
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