REVERSO

Hoje desabei sobre a cama e espalhei pelos cantos da casa todas as minhas emoções. Joguei as angústias pela janela, derramei as lágrimas no tapete, escondi a timidez dentro do armário, deixei as lembranças num cantinho atrás da porta e perdi a consciência em algum lugar.

Afoguei o medo na pia da cozinha esperando que se perdesse para sempre. Deixei a teimosia do lado de fora porque ela me impede de raciocinar direito. Enterrei minhas tristezas mais profundas ao pé do muro do quintal e gritei minha saudade lá de cima do telhado.

Escondi-me debaixo da mesa, como fazia a certo tempo, esperando que ninguém me encontrasse. Confessei os meus segredos às paredes que agora tinha outra cor, diferente daquela que eu lembrava. Bisbilhotei a ausência consentida que deixei e as poucas aventuras em que ousei me arriscar.

Procurei o meu sorriso mais feliz e de repente, me dei conta que estava na escuridão. Busquei a luz de velas resquícios daquela paz que envolve no silêncio, que acalma o pensamento sem precisar ser medida.

Esqueci minha alegria dentro de um baú empoeirado pelo tempo, pela pressa, pela contramão que a estrada me conduziu. Encontrei meu espelho favorito mas não me reconheci no seu reflexo.Contemplei a minha face e vi que minha infância havia ido embora, eu só não havia prestado atenção, por isso não me despedi.

Vasculhei todos os cômodos em busca de minha inocência e só escutei sua voz quando revirei minha alma pelo avesso. Estava lá, sussurrando coisas que eu não conseguia entender. Estava agonizando há muito tempo e eu deixei-a partir, sem remorsos, sem adeus.

Despi-me de antigas fantasias, das ilusões que carregava, de sonhos desmedidos. Tentei apagar certos erros insuperáveis, palavras duras, momentos solitários mas meu esforço foi em vão.

Perdi a conta do número das cicatrizes que encontrei no meu corpo, apesar de pequeno e frágil estava repleto de marcas. Umas quase imperceptíveis, grandes, pequenas, cortes superficiais e outros, bem mais profundos. Não tive coragem de tocar nas feridas abertas mas sei que algumas delas permanecerão assim para sempre.

Sei que jamais poderei recolher os meus pedaços, o vento já levou para longe alguns deles enquanto eu escrevia. Se encontrá-los, não precisa devolver, se não interessar guardá-los, deixe-os onde estão. Eu não sei lidar com despedidas, nem tão pouco com reencontros.

Quando o fim parecer inevitável, não esqueça que um dia estive aqui.

Denisia de Oliveira
Enviado por Denisia de Oliveira em 16/04/2009
Código do texto: T1542150
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