Claudicante

Para quê escrever? De novo me pergunto. Alguém se interessará por minhas letras, minhas reflexões? Acaso algum incauto percorrerá seus olhos por este texto? Eu não o faria. Também não sei porque insisto em voltar ao papel em branco e começar a preenchê-lo aleatoriamente, como quê em um processo de associação livre psicanalítica. Deveria calar, emudecer, fechar os olhos e ouvidos para os outros humanos. Entretanto, busco-os nas letras, em sorrisos artificiais que distribuo entre vizinhos e colegas de trabalho.

Estou incrivelmente enfadado, o tédio me toma de assalto, causando-me um torpor e um imobilismo assustador. Deveria me erguer, caminhar pelos parques ou nos calçadões das praias, exercitar meu corpo. Mas paro. Não consigo mover-me em posição nenhuma, apenas a mão movimenta a caneta de forma claudicante. Mas na caneta sua tinta começa a falhar, parece que agora de fato me calarei.

Porque escrevo? Para quem escrevo? Não sou lido, não sou visto, apenas um número em estatísticas oficiais, um homem médio, funcionário público e pai de família, cuja ausência não fará nenhuma diferença na ordem social. A mediocridade foi o legado deixado pelos meus antepassados, e cumpro direitinho a tarefa de passar este legado adiante, formando uma nova geração de cretinos e estúpidos que darão continuidade a este projeto equivocado que é a humanidade.

Há quem interessa estas letras? Via de regra as pessoas não estão interessadas em se perguntar as razões de suas certezas, e nem até onde vão suas verdades. Eu desisti das minhas, e sigo apenas o ritmo imposto para mim. Em épocas passadas, acreditava que podia ser diferente, que havia formas de se construir fora dos moldes nos impostos pelos nossos pais. Mas hoje eu sou pai, sou funcionário público, sou um senhor de respeito, um homem de relativo sucesso, que conseguiu a estabilidade financeira, pagador de impostos e que anda no caminho da retidão. E sinto-me um completo prisioneiro deste modelo que reproduzo, onde fora dele não há saída. Preciso pagar minhas contas, preciso de um lugar para morar, meu filho tem demandas grandes. Alguns diriam que eu cumpri com meus desígnios para com a humanidade, e que deveria sentir-me orgulhoso de meus feitos. Eu digo apenas que claudiquei naquilo que se chama vida, e que construí apenas celas, onde calo-me e me entedio, passando para frente o legado de mediocridade e pasmaceira em que meus pais me introduziram.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 15/04/2009
Reeditado em 05/05/2009
Código do texto: T1540756
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.