Série "Ditados na berlinda" 14: Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come?

Meu amigo Victor me contou que emagreceu oito quilos. Não que precisasse, mas creio que deve ter ficado muito bem. Digo ‘creio’ porque ele mora longe, a quase dois mil quilômetros do alcance de minha visão, o que infelizmente não me permite conferir seu novo visual.

Antes que lhe perguntasse como conseguiu tal proeza (que eu, com meus três quilinhos extras, não consigo), ele me contou: estava correndo diariamente. De seis a oito quilômetros por dia, uma verdadeira façanha inimaginável para mim e minha preguiça crônica, que mais do que academia duas vezes por semana, às vezes empurrada, não vou. Admirei sua força de vontade e parabenizei-o por ela, ao que ele me comentou: não é força de vontade, é a força da necessidade!

Para propositalmente provocá-lo - pois sei de sua inteligência e bom humor, e adoro tirar partido disso - perguntei-lhe: mas correndo de quê? Ou melhor, de quem? Imediatamente, ele me listou uma divertida seqüência de possíveis perseguidores. Sugeri que talvez fosse melhor que corrêssemos atrás de novos clientes, já que tanto ele quanto eu dependemos disso para sobreviver. Ele respondeu que sim, seria um ótimo exercício, pois correríamos eternamente em círculos... Porém, depois dessa engraçada, perspicaz e agridoce conclusão, a metáfora que ele usou a seguir me fez pensar, a ponto de tentar exercitar a escrita sobre o tema. Disse-me que sua corrida era uma perseguição e uma fuga ao mesmo tempo: correndo atrás de um prato de comida e fugindo dos canibais!...

À parte as risadas que dei, achei que, no fundo, nossa vida muitas vezes se resume a isso, a busca da sobrevivência e a fuga dos males que invariavelmente nos perseguem. E só. Nem sempre sobra espaço para as alegrias leves, o lazer descontraído, os prazeres inesperados ou os mimos para o espírito. A sobrevivência material nos toma espaço e tempo demais, conclui tristemente. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come... tem que ser sempre assim?

Talvez não. Quem sabe precisássemos descobrir que tipo de bicho nos persegue com tanto afinco... se for algum assemelhado à raça canina, poderíamos andar com uns biscoitinhos de cachorro no bolso. Um felino gigantesco, talvez? Duvido que algumas latas de atum não possam desviar-lhe a atenção por alguns momentos. Até um canibal pode desenvolver o gosto por outras carnes, se a ele for dado experimentá-las. Pode ser, ainda, que os bichos que nos perseguem sejam apenas fruto de nossa imaginação: mais ou menos horríveis, assustadores ou perigosos de acordo com nossa visão de mundo. Enfim, vale tudo para tentar minimizar essa situação de extrema tensão que a vida, muitas vezes, nos impõe.

Nessa corrida sem fim que, cansativamente, nos leva à sobrevivência, deve haver uma forma de aglutinar tudo sem sofrimento. Quem sabe simplesmente parar... Deixar que o canibal alcance o prato de comida e sair de fininho, para tentar ir descolar, junto a uma Eva contemporânea, uma pouco calórica maçã. Assim não haverá mais necessidade de correr, ao menos não para emagrecer.