ALBINONI

ALBINONI: adágio
(TEXTO ANTIGO DE 2001)
 
 
 
Eu, no momento estou cega do olho direito.
Ontem o médico disse apenas, sente-se aqui, não, na outra cadeira mais próxima à minha frente. 
“Você está com a catarata muito espessa. Eu vou fazer a cirurgia no “escuro”; pode ser que não haja nada que se possa fazer, mas você deve pensar no lado mais positivo, pode ser que por trás da catarata esteja tudo bom, e também você pode contar com a vista esquerda que está ótima.”
E não sofra antecipadamente.
“E sua vista esquerda está também com catarata.”
Não senti nem raiva por ter sido o descuido médico a tal prejuízo da minha vida.
Mas a tristeza invadiu meu ser. Se ficar sem visão do lado direito, eu não sei se agüento mais. O melhor de mim é ver a natureza, a beleza das coisas e dos seres, é ler, ler, ler e ver, ver e ver é desenhar, desenhar e desenhar, e criar, criar e criar e passar pro papel. E fazer arte.
 
Eu disse pro médico, ontem eu achava que o pior era desistir dos netos na minha vida definitivamente, mas hoje, após o que você falou pra mim, ainda encontrei com algo muito pior e signitificativo que deixar ir pro espaço a Gi e o Marcelo.
Não ter os netos vira tão fácil.
 
 Hoje eu quis ouvir o Albinoni.
 Debruçada na beira do caixão do meu irmão Gabriel, a pessoa que mais amei e amo nesse mundo, eu monologuei com ele. Gabriel, você sabe o que é a morte e isto me basta como que eu saber também. Eu morro com você sessenta por cento de mim. E fiquei ali no adeus.
E, enquanto o enterrava, eu que tenho memória fraca, cantei com todas as notas o Albinoni para ele em despedida em alto e bom som de homenagem e despedida, e todos os presentes ouviram, silenciaram, respeitaram.
E vim embora com minha filha para a vida que me restava.
Hoje estou me deparando com uma coisa ruim também, na perspectiva duvidosa de ficar cega ou não. 

O que é pior que perder os netos.
 
Mas é menos ruim que perder o meu irmão Gabriel.