TRABALHAR É PRECISO...VIVER NÃO É PRECISO

Daniel entrava no trabalho as três da tarde e saía as nove da noite. Salário e meio mais vale transporte e comissão por produtividade.

Trabalhava fazendo vendas por telefone...

Os produtos eram completamente inúteis: bermudas contra celulite, calcinhas com enchimentos, cremes miraculosos capazes de realizarem uma plástica em 15 minutos, camisetas que diminuíam até dez centímetros da cintura, batons com o poder dar uma leporínea lábios mais carnudos que os de Angelina Jolie. Enfim, uma enxurrada de idiotices a prometer o impossível.

Daniel viu logo de cara a futilidade dos produtos e não demorou para perceber como era fácil iludir mulheres carentes e preguiçosas. Bastava empostar a voz ao telefone, dar um leve tom de sedução as suas palavras e pronto, vendia qualquer coisa.

No fundo as clientes não queriam nada além do que a chance de viver uma aventura diferente.

Encontrar um amante é o que todas as mulheres desejam...

Durante os dois primeiros meses bateu todos os recordes de produção, no entanto, na semana da virada do trimestre, a empresa mudou os critérios de contagem. Seu ultimo recorde passou a ser o padrão mínimo exigido.

A novidade provocou uma série de demissões no mês seguinte e a antipatia dos colegas da seção:

“Porra, cara, pára de querer bater recordes... Isto aqui não é olimpíada, é emprego, entendeu? Emprego.”

Reclamou um gordo sebento com cara de quem aguardava só pelo atestado de óbito para ser enterrado.

Daniel manteve-se na média. Preferiu ser apenas mais um dos milhares de parasitas que viviam grudados ao corpo do predador transnacional, embora possuísse tino para vender bobagens pelo telefone.

“Assim caminha o mundo...uns exploram outros são explorados, mas a luta de classes se transformou numa espécie de suruba onde ninguém sabe quem é o passivo e quem é o ativo. O teatro volta a sua origem: Dionísio passou sua perna torta em Marx. E se vida é uma tragédia eu prefiro ficar no coro, afinal de contas o herói sempre morre no ultimo ato... Rs rsrsrs”

Pensava Daniel com os botões de seu teclado.