EU NA EUROPA

Uma viagem ao Velho Mundo é sonho acalentado em muitos corações desde priscas eras, todos nós sabemos disso. Assim também comigo foi, evidentemente. Só não tinha certeza se um dia qualquer da vida concretizaria essa quimera. Passou o tempo e o sonho continuou a ser acalentado enquanto o cotidiano prosseguia. Certo dia, quando passei no concurso promovido pelo Banco do Brasil, lá pelos idos de tantos anos atrás, já no meu inconsciente recrudescia esse incipiente desejo de, um dia, também sorver o ar europeu e deixar-me os olhos repletos das diferentes imagens jamais vistas antes. A Europa, ou parte dela, tornou-se, sabe-se lá desde quando, o sonho de consumo de grande parte dos brasileiros. Eu não fui exceção. Quando alguns amigos por lá andavam e ao retornar relatavam suas aventuras, diversões e conhecimentos, falando desse Primeiro Mundo com os olhos quase marejados de tanta emoção, fluía-me repentino o anelo de alcançar tamanha graça um dia desse qualquer. Então fui semeando esse sonho ao longo de minha existência, entre planos que se esvaíam e devaneios evanescentes.

Quando, por fim, chegou a grande oportunidade de, pelo menos, conhecer algumas cidades lusas e mais uma espanhola não titubeei nem pensei duas vezes. Cabia no meu orçamento o montante da despesa, minha esposa incentivou-me e eu, é lógico, mais do que tudo ansiava por esse momento. Fomos à agência de viagem que nos tinha enviado o e-mail-convite para adquirir o pacote e, como é óbvio, lá enfeitaram o bolo com as mais belas cores para encantar-nos. Não sem razão, afinal de contas faziam seu papel de sagazes vendedores. Só que tentaram de tudo para esquecer que o vôo charter no qual viajaríamos havia sido contratado por uma operadora de Salvador, na Bahia. Consequentemente, o avião já viria de lá com passageiros e não poderíamos saber quais seriam nossos lugares, arriscando, inclusive, a não ficar acomodado junto de minha esposa durante o trajeto. Isso, porém, somente descobri no dia da entrega dos vouchers, uma semana depois numa pretensa solenidade que, disso, não tinha nada. Parecia mais um corre-corre sem rumo, afora, ainda mais, a quase absoluta falta de informação sobre praticamente tudo relativo ao nosso vôo. Precisaríamos, explicaram-nos, chegar bem cedo ao aeroporto, umas quatro horas antes, para tentar conseguir viajar juntos, lado a lado. Imaginem!

Bom, já que era assim, procurei adaptar-me aos fatos para não enveredar pelos caminhos do estresse. Então, precavido, liguei um dia antes para a cooperativa de táxi contratando um deles para pegar-nos às sete horas da noite para levar-nos ao aeroporto onde faríamos o check in às oito e trinta. E o que aconteceu no dia da partida? Às sete horas em ponto estávamos nós no portão do nosso condomínio aguardando o táxi, esperançosos de vê-lo chegar a qualquer momento. Sete e dez, nada; sete e vinte, nada. Liguei uma vez para a cooperativa e a telefonista, aflita, garantiu-me que o motorista já estava a caminho; mas ele não chegava. Tornei a ligar e ela, apavorada, explicou que há muito o táxi saíra ao nosso encontro, o problema era o trânsito. Às sete e trinta, meio desesperado, ouvi o porteiro do condomínio dizendo que tinha um amigo taxista capaz de chegar bem ligeiro para levar-nos ao aeroporto. Nesse momento, ufa, pinta o tal do taxi na esquina na maior tranquilidade. Dei-lhe uma bronca, colocamos a bagagem na mala do carro e mandei-o enviar o pé na tábua.

E a odisséia para comprar euros? Qualquer um faria o que fiz, isto é, esperar a queda da moeda européia para adquirí-la por um preço razoável, de maneira a aproveitar o melhor momento. Essa estratégia, no entanto, quase levou-me a ir para a Europa somente com os primeiros euros comprados dias antes, quando a moeda estava em relativa baixa, e mais o cartão de crédito, que inapelavelmente teria de usar. E isso, sem dúvida, encareceria ainda mais a viagem por conta das taxas e mais taxas cobradas pela operadora de cartão de crédito para fazer as transações. Por conseguinte, no dia do vôo para Portugal eu ainda siguezagueava pela cidade, de casa de câmbio em casa de câmbio, à procura de euros. Em vão, é óbvio. Nenhuma delas tinha a quantidade necessária ao número de pessoas prestes a viajar. E grande parte delas também perambulava à procura. Uma senhora, passageira do mesmo vôo, ansiosa, comprou numa casa de câmbio o cartão de crédito emitido pelo estabelecimento no valor em euros por ela adquirido, é claro embutidas as infames taxas. Cheguei a pensar que eles escondiam os euros para, no último momento, ante uma súbita alta na bolsa, vender-nos. Depois de muitos altos e baixos, telefonemas, desabafos e prestes a apelar para o plano "b", que seria comprar num banco pagando altas taxas, sempre elas, finalmente uma casa de câmbio reservou-me a quantidade de euros pretendida por mim, paguei o valor em reais e pude, afinal, seguir viagem.

Sabem quem eu encontrei na cabeça da fila do guichê da empresa aérea quando cheguei ao aeroporto? A dita senhora que havia comprado o cartão de crédito carregado com euros. Como era possível aquilo? Corri tanto para ser o primeiro a chegar. Mas ela também temia não ficar ao lado das amigas com quem viajaria, por isso pensou como eu em fazer plantão bem cedinho para ser a primeira no check in. E foi, a danada. Além dela, mais outras duas pessoas chegaram antes de mim. Nossa viagem estava para começar.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 14/04/2009
Reeditado em 22/07/2009
Código do texto: T1538438
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