Complexo na Juventude

Esta pequena e singular história começa naquele período conhecido por adolescência. Na minha mais absoluta e sincera opinião, acredito que esta fase deveria ser definitivamente abolida por algum projeto de lei, após rápida aprovação no Senado. Quem sabe esta idéia tão criativa possa inspirar algum político.

Bem, enquanto minha revolução do desenvolvimento da personalidade não acontece, preço a ser pago por todo visionário, me deterei apenas e tão somente na minha própria experiência que passo a narrar neste instante...

Tinha na época dezesseis anos, idade que parece ser marcada por uma significante oscilação de humor. Lembro que, num mesmo dia, passava da mais profunda e obscura melancolia para mais radiante e efusiva euforia. Devo dizer que esta passagem me impressionava por ser direta, sem escalas ou motivos, como se eu fosse refém do reboliço hormonal que se agitava em meu metabolismo. Dizem que a natureza é sábia, mas comecei a ter sérias dúvidas disto a partir daquela fase de minha vida.

Tanto a melancolia como a euforia se parecem com os sintomas que ocorrem aos usuários de anfetaminas, nome científico dado ao insano medicamento prescrito corriqueiramente naquele tempo, que todo gordinho, eufemismo usado por todo gordo ou simpatizante, ingere ao fazer dieta, ou seja, para conseguir comer somente as duas folhas de alface que acompanham o filé microscópico que seu médico indica no regime.

Talvez você possa estar nesse momento se questionando se estava no grupo por destino anatômico ou simpatia. Bem, digamos que naquele fatídico período de minha história eu havia sido duplamente contemplada!

Nesta fase da minha vida, além de alguns quilos a mais, tinha que suportar o peso das constantes oscilações de humor. Logo percebi que não era apenas meu guarda-roupa que variava tão generosamente os manequins. Minha alma acompanhava à altura estas mudanças. Se eu fosse otimista diria que dançava conforme a música e não entrava em descompasso, mas o otimismo nunca foi um traço marcante em meu caráter e todas as minhas impressões daquela época me desencantam profundamente.

Havia momentos em que relembrava sensações da infância, como a ida ao parque de diversões. Quando criança, meus brinquedos favoritos eram a roda gigante e o carrossel. Na adolescência parece que só tinha ingresso para a montanha-russa e o trem-fantasma!

Confesso que vivi momentos de terror e êxtase, a tal ponto incompreensíveis para mim, que cheguei a pensar que a adolescência não passava de um teste divino (ou seria diabólico?) de sanidade mental! E passei a acreditar que Deus era alguém extremamente ocupado para dar atenção às minhas crises existenciais juvenis.

Ainda nesta época, lembro de um episódio que me deixou marcas profundas na alma, ao mesmo tempo que me fez refletir, obviamente muito tempo depois, sobre os complexos e sua natureza.

Como se não bastasse meu complexo de gordinha, passei a exibir outros dois que se instalaram em mim por uma autoridade no assunto!

Um dia, em mais uma daquelas obras cínicas do destino, durante uma consulta ao meu oculista, profissional tão competente e concorrido a ponto de meu problema oftalmológico desaparecer espontaneamente devido ao tempo transcorrido entre o aparecimento do problema e a consulta propriamente dita, fui informada de que deveria passar por um cirurgião plástico, a fim de retirar algumas pintas que estavam muito próximas aos meus olhos.

Meu oculista, prazerosamente, escreveu uma cartinha ao seu colega que deveria fazer a intervenção. Cheguei na consulta com aquela cartinha na mão e foi lá que ela permaneceu por ter entrado em estado de choque logo no início de nossa desastrada conversa.

Mal sentei na cadeira, este famoso cirurgião plástico vira-se para mim, numa tentativa infeliz e inglória de parecer natural, e pergunta:

- Viemos melhorar o nariz?

Devo confessar que estas quatro palavrinhas soaram como um tapa na minha orelha. Juro que ela é tão delicada como eu por dentro. Fiquei numa espécie de estado catatônico com os olhos arregalados de espanto e terror!

Você deve estar se perguntando agora se meu nariz é de fato merecedor de tal impressão.

Está bem! Já que estou aqui para dizer a verdade, somente a verdade e nada mais do que a verdade, lá vai: sou descendente de libaneses, é verdade, e não posso nem quero negar nada!

Entretanto meu nariz não possui dimensões estratosféricas, como ter um Coliseu no meio do rosto, que permita e justifique esse diagnóstico prematuro, inconseqüente, preconceituoso e perfeitamente dispensável!

Voltando à fatídica consulta... como não sabia mais o que dizer (naquela altura havia até me esquecido da carta e do real motivo de minha presença ali), abaixei a cabeça, num pesar tão profundo que só pôde aumentar em intensidade, como se eu estivesse sofrendo com uma cólica renal, ao ouvir:

- Desculpe! Como não percebi antes! É o busto que a incomoda!

Tentei esboçar uma reação que foi interrompida com a complementação do raciocínio sádico, característico de todo cirurgião:

- Devo alertá-la que para redução de mama é necessário estar com o peso compatível. Hum... deixe-me ver... se você perder entre dez e quinze quilos poderei operá-la com o maior sucesso!

Saí daquele consultório em transe, antes que o doutor se empolgasse ainda mais e me retratasse como uma aberração da natureza, instalando em mim mais um complexo... de Quasímodo!

Como resultado desta experiência traumática, além de apresentar mais dois complexos, ganhei uma cifose, afinal já não andava mais com a cabeça erguida, na tentativa idiota de disfarçar o nariz e também uma discreta escoliose, adquirida em conseqüência de um erro de postura que tinha por objetivo esconder o busto!

E assim, quando tornei-me adulta, meu cirurgião plástico e meu ortopedista tornaram-se co-responsáveis por minha saúde nesta área. Claro, sem mencionar que passei por três analistas!

Este foi o preço que paguei por ser adolescente um dia...

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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 13/04/2009
Reeditado em 27/08/2009
Código do texto: T1537049
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