A minha Avó Palmira
Faz hoje anos, para ser mais preciso, 10 anos que morreste.
Nunca tu disse, pois nunca fomos de trocar grandes palavras, mas adorava-te e passei a adorar ainda mais depois de morreres, nesse estranho mecanismo psicológico que faz com que por vezes estimamos ainda mais certas pessoas depois de nos deixarem.
Fui o teu segundo neto, e sei, porque mo contaram, que quando nasci no mesmo dia que Tu que ficaste imensamente feliz, orgulhosa até, que foi a melhor prenda de anos que te podiam ter dado.
Sei que não tiveste uma vida fácil, nascendo no ano em que começou a Primeira Guerra, sobreviveste a inúmeras provações, desde a Gripe Espanhola (antecessora da gripe aviaria e que matou várias milhões de pessoas em todo o mundo) enquanto outras pessoas na família feneceram, sei que sobreviveste à fome da IIª Guerra Mundial, depois casaste com o homem mais bondoso do mundo, o meu maior mestre, o meu Avô João, e a família foi crescendo entretanto, e se faltavam os meios económicos, a família essa era duma riqueza sem par: primeiro nasceu a minha adorada e estimável mãe, depois a bondosa e genial Teresa, que coleccionou a nível nacional vários prémios académicos, seguindo-se o Zé, o meu adorável Tio Zé que tão bons conselhos me deu desde que nasci e que de todos os teus rebentos é aquele que acho mais parecido com o Avô e no qual a nível pessoal me revejo mais; por fim veio o João, com a marca da bondade familiar, mas ainda mais genial do que a Teresa, um “Tio todo o terreno” que me ensinou o que era o cinema e algumas artes e que me levou às primeiras caminhadas da infância sem a presença dos pais.
Apesar das dificuldades económicas, todos tiveram uma boa educação, quer cívica quer académica, e todos acabaram por prosperar e brilhar nas profissões que ainda hoje desempenham. Conheço muitas famílias, mas nunca vi uma igual e tão unida como a que tu e o Avô geraram.
E sei, agora sei que acompanhaste de perto o meu crescimento, que quando comecei a dar nas vistas nas letras tu sorrias de felicidade, embora nunca tenha sabido se leste as minhas poesias e prosas, sei apenas que quando brilhava te enchia de alegria e felicidade, e isso Avó transmite-me hoje uma paz que não queiras imaginar.
O Invisível deu-te uma longa vida, sobreviveste a imensa coisa, até à morte do Avô naquele quente e triste verão de 1991, e quando se aproximou o momento da tua morte a minha mãe comentou “O Avô nasceu a 12 de Abril, nessa data ou pouco depois ele vem buscar a Avó”. E foi o que aconteceu, partiste um dia depois de ele fazer anos, e apesar de ser um católico com muitas reservas, sei que estás com ele, sei que estás feliz, sei que os dois olham por mim e pelos meus, não porque a religião o diz, mas porque o sinto, porque sinto a tua presença e a do Avô, não o sei explicar, apenas o sinto…
E devo-te um pedido de desculpas Avó Palmira: já escrevi milhares de palavras, muitas delas dedicadas ao teu marido, mas esta é a primeira vez que te dou, reservo, algumas, porque te amo, porque tenho saudades da tua presença física, porque hoje se completam 10 anos de saudade, e…Olha Avó, eu estou bem, prosperei, venci praticamente todos os fantasmas, consegui publicar um livro e finalmente sou feliz.
Queria-te agradecer pela família e amor que me deste e prometo que um dia te volto a escrever, porque és carne da minha carne, alma da minha alma e a melhor Avó que o Invisível me podia ter dado.
Por coincidência morreste no melhor ano da minha vida, deixaste-nos no ano que marcou tudo o que eu ainda faço, no ano que mais moldou o homem que sou e que serei.
Nunca há alturas boas para se morrer, mas o teu desaparecimento foi no início do meu renascimento depois de anos na obscuridade, e sinto-me desde ai tocado pela tua luz e do avô, me sinto abençoado e grato ao Invisível por teres sido a minha Avó.