Os sábados de Aleluia da minha infância eram esperados com ansiedade por adultos e crianças.
O silencio sepulcral e o clima pesado da Sexta-Feira Santa estavam nos estertores,quando,batendo as 10 horas da manhã, os sinos repicavam alegremente, rompendo a aleluia. As ruas se enchiam de garotos semi nus batendo panelas velhas e cantando:”Aleluia,aleluia
Comida no prato,
Farinha na cuia,
Embora, para muitos deles, só restasse mesmo a farinha.
A noite nos reservava o melhor: a queima do Judas.
Originário da tradição portuguesa, esses bonecos de palha ou de pano, rasgados e queimados furiosamente em praça pública, representavam a eliminação do Mal, alijado pelo fogo,banido da sociedade cristã;soltavam-se fogos coloridos,rojões,enquanto o populacho,em delírio,cantava e dançava.
Hoje, quase mortas nas grandes cidades, essa tradição persiste nas pequenas cidades do Interior, onde ainda vivem as lembranças do passado,nossa memória atávica.
Desde tempos imemoriais, na Península Ibérica, segundo os estudiosos Frazer e Mannhardt,registraram-se esses ritos próprios das festas da alegria nas proximidades do equinócio do verão,principio ou fim das colheitas,para afastar os maus espíritos.
No Brasil, terra irreverente pela própria natureza, inventou-se o Testamento do Judas, lido durante o seu julgamento.Esse escrito,geralmente uma sátira a pessoas ou acontecimentos locais, fica no bolso do boneco e alguém espirituoso lê para a multidão.Eis um exemplo de um destes testamentos;Judas deixa seu burro para o prefeito da cidade e outras pessoas gradas,locais:
Aí vai a cabeça
Pro prefeito Zé Monteiro
A que ele tem não presta,
a do burro vale mais dinheiro;
Um pedaço do meu burro
Vai prá Maria Padeira
Ela ta necessitada
Pois lhe morreu o padeiro;
E, por aí vai,com versos de pé quebrado e cheio de insinuações.
Não queimei Judas nenhum, mas,fiz um pequeno testamento doando alguma coisa para políticos conhecidos:
Para o senador Sarney,
Que não tenho o que deixar;
Deixo óleo de peroba
Para a cara ele lavar.
Para a dona da Daslu
Que adora sonegar,
Deixo meu imposto de renda
Prá ela ajudar a pagar.
Para o Lula, presidente
Que é malhado todo dia
Por não ser homem letrado,
Vou deixar tudo arrumado:
Deixo minha biblioteca,
pois lá tem livro á beça,
ninguém mais lhe arrelia.