O pinguço repórter
É sexta-feira, ele desce do ônibus e até aquele momento um cidadão qualquer. Trabalhador, pai de família, comportado, querido pela família e vizinhos, um ilustre desconhecido. De segunda a quinta ele desce do ônibus e vai para casa descansar e cuidar da família, mas na sexta...
Na sexta, ele desce do ônibus e vai direto para o botequim de seu Joaquim. Sempre diz que só vai tomar uma, mas um amigo aparece e ele toma a segunda, um outro amigo aparece e toma a terceira, um parente que fazia tempo que não se viam, duas horas depois resolve tomar todas, vai de um a cinqüenta e um.
Você conhece alguma pessoa que de repente, depois de umas boas, redondas, entre outras se transforma? Com certeza sim. Tem bêbado com todo tipo de personalidade: os brabos, os mansos, os engraçados, os chatos. Quanto às profissões, não faltam bêbados: o policial; o super-herói, esse dá um trabalho...; o juiz, o teólogo, esse é dos brabos. Mas o que dá mais trabalho e enche o saco é o bebum repórter.
Depois de quinze copos de cerveja, ele começa pela teoria. Explica aos seus companheiros de skol que a escola de Frankfurt foi muito importante para a ciência da comunicação e atesta que os frankfurtianos estudavam seis meses e os outros seis meses bebiam cachaça, deve ter confundido com Karl Max.
Resolve contextualizar as definições de: massa, multidão e público. “Somos massa quando assistindo uma TV, ouvindo um rádio pensamos que pensamos”, explica. “O cara na TV diz que o universo se formou de uma grande poeira, ai, achamos que já entendemos tudo de astronomia”, exemplifica. “Multidão, é quando um bando de pessoas está em contato e liderado por um maluco sai para o quebra-quebra. Imaginemos nós, um bando de bêbados, vê um carro cheio de cachaça e um de nós decreta irem fundo na pinga, todos, ladrões ou não cai em cima”. “Público são uns caras chatos, até para defecar os manés pensam, refletem, até para tomar umas boas”.
Já na trigésima cerveja percebe que os companheiros detestam aulas teóricas. Para, toma mais umas cinco e resolve ir para prática.
Pega uma garrafa de cerveja pelo gargalo, entorna e a transforma em um microfone. Chama a atenção de todos e: “estamos aqui essa noite, nesse botequim para noticiar uma notícia importante, a notícia é que vinho faz bem para o coração. Segundo os cientistas dois litros de vinho por dia ajudam o coração contra as doenças cardiovasculares”. Aposto que você gostou da notícia, mas é recado de bêbado...
Já são vinte e três horas e ele percebe que é hora de plantão, percebe que é hora de estar nas ruas, registrando os fatos, desmontando as falcatruas, ajudando os mais pobres. Despede-se do pessoal tomando um gole de uma cerveja qualquer, essa altura do campeonato a marca não importa.
Cambaleante, na primeira esquina encontra sua fonte principal de furos jornalísticos, umas prostitutas a espera de clientes. “E aí senhoras? Como está o movimento comercial?” indaga. “Sai pra lá vagabundo, deixa agente trabalhar sossegada!”, respondem. “Vocês tem segurança em seus pontos comerciais? Se tiverem alguma queixa me falem, pois eu denuncio à comunidade”, persiste. “Vou chamar a polícia se você não sair daqui agora!” vocifera a líder. Percebendo que a pauta caiu, continua em sua missão de registrar tudo.
Quando você avistar um bêbado é melhor pensar bem se vai cruzar com ele, pois se ele for do ramo jornalístico você se tornará uma celebridade que foge dos paparazos. Ele vai começar perguntando por que você está ali àquela hora, tentando se livrar você pode responder que não é da conta dele. Pronto! Agora você vai ouvir um discurso sobre liberdade de imprensa: “você sabia que a constituição brasileira mim garante o direito de exercer minha profissão sem qualquer tipo de censura? Eu estou aqui para informar, denunciar. A sociedade confiou-me essa missão. Como o senhor acha que sua agenda não me interessa?” indaga brabo.
“O que o senhor tem a esconder da sociedade?” continua a inquisição. Você, já aborrecido, apressado para fazer alguma coisa, urinar por exemplo, responde: “vai te catar desgraça!”. É melhor sair correndo, pois ele vai chamar a polícia, “os colegas de trabalho” no maior berro, lhe tornando uma víbora inconseqüente que não tem tempo para dar uma entrevista.
Mais uma pauta no chão e enxergando duplicado, continua em busca de um furo jornalístico. Mais a frente encontra uma viatura policial, se esforçando ao máximo para se apresentar sério, quanto mais tenta não consegue, pergunta: “e aí PM como está o movimento? Muito bandido na área?”, os policiais o ignora ao se comunicarem pelo rádio. Irritado com o tratamento pega o celular e como radialista, bêbado, esbraveja: “ouçam meus amigos, a polícia, paga para nos proteger nos ignora nos deixando a mercês dos bandidos...”, antes de terminar leva uma cacetada. Quase caindo consegue se livrar da PM.
Praguejando a todo som que consegue resolve ir para redação, quer dizer para casa, chateado por não ter conseguido nem se quer uma nota.
Logo mais é sábado, e ele acordará lá pelas dez como uma pessoa qualquer, atrasado para feira e com uma baita dor de cabeça.