O CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA

Chovia de forma intermitente e adejava no ar um frio cortante quando chegamos a Santiago de Compostela, na Espanha. Descemos do ônibus na Praça Xoan XXIII(João 23, na língua galega, na Galicia), onde seria nosso ponto de encontro para o regresso à cidade de Porto, em Portugal, e saímos a correr procurando abrigo. Resfriado em virtude do repentino sol que surge esbraseante em meio à baixa temperatura reinante, e devido também à constante chuva trazida pelas nuvens súbitas que cobriam os raios solares por instantes, depois se iam para novamente voltar, espirrando, o nariz escorrendo de tanta coriza, a garganta ardendo como se estivesse cheia de areia seca, eu precisava proteger-me das chicoteadas dos pingos a encharcar-me os cabelos e bater-me os costados antes de alcançar a Catedral onde estão os restos mortais do apóstolo de Jesus, Tiago, cognominado o maior.

Ainda sob as impressões impactantes dos relatos da nossa guia a respeito de como o corpo de Tiago chegou à Espanha, as peripécias passadas por seus amigos para esconder seu corpo, os sonhos sobrenaturais sobre onde o teriam sepultado às escondidas dos perseguidores, as histórias dos primeiros peregrinos a fazerem o caminho, a pé, saindo da França ou de Portugal, tomou conta de mim uma áurea de mistério e um clima de curiosidade.

Enquanto caminhávamos debaixo da chuva interminável e do frio gélido, algumas pessoas às portas de restaurantes, lanchonetes e lojinhas nos ofereciam pedaços de tarte de amêndoas, pães de nozes(excelentes!) e outras tantas guloseimas mais cujos nomes não consegui nem anotar ou memorizar, tudo com o claro intuito de nos arrebanhar para as compras nos seus estabelecimentos. Ainda assim, contudo, a atitude e a gentileza de suas palavras me faziam lembrar dos peregrinos cujas rações de carne seca, pão e água eram divididas entre os demais que pouco ou quase nada levavam enquanto, conduzidos por uma fé inabalável, atravessavam vales e montanhas, enfrentavam as intempéries do clima, os salteadores e as feras para, após meses caminhando(muitos deles andavam o ano inteiro), finalmente chegarem à Catedral(Sé, como lá eles chamam) e, ali, tocar a coluna e bater a cabeça por três vezes ao santo do croc, como faziam os estudantes para fazer seus pedidos. E só então, por fim, adentrando ao sepulcro, abraçar a imagem de Santiago e dizer a seguinte frase: "amigo, recomenda-me a Deus."

Ainda longe da catedral e castigado pela queda d água que não queria parar, faltando um bom percurso até lá debaixo desse mundão de pingos intermitentes, ouvimos um lamentoso e alto som de gaita, escocesa oriundo de uma arcada que deveríamos atravessar. O barulho, altíssimo esconder o bater da chuva no chão e nos telhados, infernizava a vida de quem passava e era feito por um jovem anônimo que certamente ali estava como aventureiro a esperar que seu instrumento tocado fizesse condoer o coração dos turistas para ofertar-lhe algumas moedas de euro. A caixinha no chão com algumas delas deixava isso bem claro. Bem à sua frente, uma mulher segurando um cachorro grandão pela coleira apreciava a cantilena, mas o animal se mostrava inquieto e ansioso balançando a cabeçorra, engolindo em seco e fazendo menção de sair dali aos solavancos. Passamos pela arcada quase correndo e sem nos importarmos com a queda d água, pois metía-nos medo tanto o cão quanto o ensurdecedor barulho da gaita escocesa.

E lá fomos nós, já desgarrados do grupo que veio conosco, a perambular em busca da Catedral de Santiago e nos vimos rodeados por inúmeras entradas e saídas de todos os lados, espécie de labirinto estilo medieval desconcertante para quem ali se encontrava pela primeira vez, sem saber onde seria mesmo o lugar aonde estávamos indo, avistando diversas lojas de artesanato religioso, lanchonetes e restaurantes de um lado e de outro e a chuva apenas diminuindo de intensidade mas sem nos deixar, parecendo fazer-nos companhia, tudo isso contribuindo ainda mais para dificultar nossos objetivo. Foi necessário perguntar onde ficava a catedral para descobrí-la, enfim. E lá conseguimos entrar, por fim, após enfrentar a fila dos que entravam paralela à dos que saíam no alvoroço do momento. Começava, ali, para nós, a visita a um universo onde respiraríamos história, religião e espiritualidade.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 12/04/2009
Reeditado em 12/04/2009
Código do texto: T1534766
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