CHEIRINHO DE CAFÉ PILADO

Por Airton Soares

Já se disse que é em coisa simples que o encanto gosta de estar. Discreto e sem alarde, pode ser encontrado até no mastigar crocante da casquinha do sorvete e também na arte de lamber a tempo, sofregamente, esse viscoso creme que versátil escorrega entre nossos dedos.

Não é muito diferente de se brear a cara e a barriga, chupando manga apanhada no quintal do vizinho.

Encantos que o tempo en (levou)!

Interior! Os galos entoam suas canções. Cheirinho de padaria e de café invadem minhas sonolentas narinas.

Aqui, na capital, não se capta esta cena. Os imensos pombais de concreto - e tão próximos - nos quais habitamos, nos privam desses simples sortilégios. O vento não vem. O vento não venta. Assim, a venta inventa... ó dor!

O café da manhã acontece no meio do mundo ao som de estridentes buzinas e fuligens automotivas ou o café..., no frio escritório da empresa.

Interior! Cheirinho de café pilado... esmagaiado!

Esmagaiar, me passa a sensação de reduzir a pó alguma coisa. Esmagaiar é deixar bem esfareladozim. Tão esfareladozim que nem aparece nos dicionários, enquanto que esmagar – desconfio – não aguenta tranco. Tampouco macerar. Estes verbos me chegam aos ouvidos sem forças... raquíticos! Aquele, não! Passa um cheio sentido de cheiro de grãos de café sendo pilados por portentosa e calejada mão- de- pilão.

Esmagaiar é muito mais visceral. Permite que o perfume dos cafezais; dessa vida plena, perfure e penetre meu coração pueril, acordando irreparáveis rombos de saudade. Saudade do meu sertão. Saudade do meu ser tão reduzido a pó... Tão desencantado!