Passagem
de Edson Gonçalves Ferreira
para meus amigos e leitores do Recanto das Letras
Minha mãe e meu pai se foram, mas ainda os vejo entrando porta adentro. Mamãe furando figos para fazer doces, lavando calças, calcinhas, sutiãs, mas cantarolando e seus cabelos brancos formando uma grinalda de noiva da vida. Agora, enquanto Menino passea dentro de minha casa, escrevo. Escrever é vida. A palavra marca a minha passagem. Sou Deus quando escrevo, porque recrio o mundo com a mágica dos signos linguísticos.
Na minha frente, tenho, na parede, quadros autênticos de vários pintores. Celeste Brandão retratando o casarão do Largo da Matriz, o altar do Santuário de Santo Antônio onde fui coroinha, seminarista e, depois, voltei como monge. Também há a caricatura que Ziraldo fez de mim, emoldurada. Imagem que ele me consagrou num guardanapo de restaurante. Existe também meu retrato a óleo, pintado pelo artista plástico Gedley Belchior Braga. Um luxo.
É Páscoa, por isso relembro as passagens. Hevecus, o artista plástico fantástico, já cruzou as barreiras físicas há anos e, agora, estou vendo o meu retrato, estilizado, pintado por ele. Escreveu no quadro: O poeta, em 1981. Também Heraldo Alvim me recriou e eternizou com um lindo quadro estilizado. Faz tempos. Estou com quinze anos de idade lá. Talvez eu tenha me tornado um Dorian Gray!
A vida não pode ser medida por dias, meses, estações, ela precisa ser mensurada pelas emoções que sentimos. Olho, novamente, para as estantes dentro da casa. Em alguns retratos, os escritores Osvaldo França Júnior, Roberto Drummond, Jorge Amado, Zélia Gattai,
Rachel de Queiróz, Adélia Prado sorriem ao meu lado. Quantos anos tenho, não sei. Parece que sou menino ainda. Lembro-me de Henriqueta Lisboa, a poetisa, que só me chamava de "garoto" e, também, de minhas amigas e amigos do Recanto que me chamam de "meninão".
Sou como Peter Pan, só que minha fada Sininho são vocês, leitoras e meus colegas no Reino da Poesia são vocês, poetas que me lêem. Agora, estou me lembrando do artista plástico Petrônio Bax que, quando eu escrevia, ainda criança, num banquinho que ficava na sacada, perto da escada da cozinha, na casa de minha mãe, acariciava meus cabelos lisos e pedia para eu continuar escrevendo, porque, um dia, um seria grande. Até hoje, não entendi qual é essa grandeza, porque escrevo como quem respira. Cada letra que cai na página, cai como uma gota de sangue meu. Eu escrevo como quem sorri ou chora, depende do momento.
E, hoje, direi uma verdade absoluta: não me importa o que digam de mim, tento viver a minha vida como um rei que passa, indiferente, majestoso, valorizando, contudo, todos e tudo que está no meu caminho. Se há uma pedra, ela vira diamante, porque, desde pequeno, aprendi que, na liturgia da vida, todas as coisas são sagradas.
Divinópolis, 10.04.09