Texto Para Um Dia De Festa
Bem. Voltar para casa com aquela sensação de criança que veste a roupa escolhida pela mamãe é no mínimo interessante. Olhar para o espelho retrovisor e ver aquela cara amarrada, quase de birra, por uma insatisfação que poderia ser evitada é muito engraçado e diferente, ainda mais quando não se tem mais seis anos de idade. O humor fica monocromático, ou combinando com o tema do dia, como os conjuntos infantis que provavelmente são feitos por estilistas que odeiam crianças e que só as desenham para sorrir com a satisfação em imaginá-las com suas caras irritadas do início ao fim. Que falta de jeito.
Lembrei do conjuntinho amarelo. Como pode alguém vestir uma criança toda de amarelo? Boné, blusa, bermuda, meia, o calçado não me lembro, ou seja,sentir-me como um canário é bem melhor que a expressão da mesma tonalidade que voltei para casa. Sorriso amarelado é pior. E digo: eu contrariava os terroristas disfarçados de estilistas porque quando chegava na festa, mesmo depois de ser sacaneado, esquecia tudo e sorria pelo brigadeiro, pelas brincadeiras, mas pintura de rosto eu não deixava. É ruim me sentir igual aos dias em que eu não fui mesmo sendo convidado e ainda prometendo aceitar a ditadura da moda infantil. É bem pior ir e não ter festa.
Quando a gente é criança faz questão de entregar o presente. Não levar ou não entregá-lo é quase tão ruim quanto a não ir ou ir com a roupa que não escolheu para vestir. Festa tem que ter presentes, a não ser que seja tão legal que dê vontade de ficar com eles. Geralmente não queria ficar. Caso eu gostasse e não tivesse mamãe compraria dois. Poderia frequentemente me vestir do jeito que eu não queria mas sempre adorou ver meu sorriso, sempre me mimou mas se justificava dizendo ser amor incondicional. Aprendi também que todos devem ser entregues, mesmo a gente não comparecendo ou quando o evento é cancelado e não nos avisam.
Com o tempo se descobre que se aprende tantas coisas sem nem perceber. De repente, do nada, coisas que não fazem sentido explodem como magníficos fogos na nossa frente e antes de dormir sempre iremos aprender algo mesmo que não consigamos perceber. Será se é o que chamamos de viver? Nesses dias assim vasculho as tralhas que guardo: cartas, cartões, pedaços de brinquedos, alguns textos e, por mais incrível que possa parecer, o conjuntinho. Vasculho também a mente e recordo dos sorrisos, dos presentes que sempre fiz questão de entregar e, principalmente, das roupas infantis que tenho prazer em ver junto de uma cara amarrada. Uma boa festa precisa de crianças assim. Mais um presente a ser entregue.