Dias de cozimento

Você olha por aí e pouco enxerga o outro. Cada um feito ilha, o jeito é disfarçar as emoções e fingir contentamento para aquele que você acredita ser um oponente. Mas claro, nem sempre é assim. E nem todos são assim.

Ali, sentado à janela do veículo que o leva, olha para o nada e é o que há de melhor para ser visto naquele momento. Mas foi em outra ocasião que se lembrou da frase daquela moça: “A vida está me cozinhando feito batata”. Parece que foi mais ou menos isto que ela disse. E concordou com ele que a lembrou do tempo que passa. O papo virtual não prosseguiu. Mas ele ficou com a frase carimbada em sua memória. De certa forma se via um pouco nela. Vai ver que parte da vida é feita apenas de cozimento.

Claro, no mundo ninguém está sozinho em suas emoções. Pelos diversos cantos pessoas passam por problemas parecidos. Fiquemos com os relacionados às emoções. Se você caminha triste e cabisbaixo, no mesmo momento outro ser humano segue de modo igual, diferenciando-se apenas pela intensidade. Fiquemos com o macro, que é essa tristeza. E isso, de certa forma, carrega consigo algo muito positivo. Em queda, você poderá se tornar alguém mais compreensivo. Daí, suas raivas e indignações com os outros se calarão, ou assim poderá ocorrer. Você se vê com o humor nada bom e se lembra de quando reclamou da pessoa que, alterada, lhe destratou. Indignado, colocou o outro na cruz. Mas hoje, quando esta mesma cruz foi passada para você, percebe que é melhor entender seu semelhante, assim poderá entender a si.

Não queria falar com ninguém. Fizera opção pela solidão em público. No ônibus, preferiu fingir não ter visto a colega. Só mesmo com muito bom humor para ter palavras com ela. Desceu onde planejara. Adentrou ao local em que buscava algum momento de prazer. Caminhou lentamente. Desceu rampa. Transpôs catraca. Despiu-se e vestiu pequena peça adequada. Entrou na piscina. Observou com olhar melancólico. Não se demorou muito e saiu daquela água. Não fizera sol como desejara. Banhou-se e vestiu-se novamente. Seguiu para a chamada comedoria. Pediu almoço, que se dividiu em dois pratos. O apetite se foi tão rápido quanto veio à decepção com o sabor do seu pedido. Tomou um café que também não lhe apeteceu como de outras vezes. De certo, nada daria o prazer esperado, sua alma não era a mesma de antes.

Era ele alguém feito alguns tantos outros pelo mundo. Era cozido pelo passar das horas que lhe pareciam sem graça. Mas a vida de adulto é assim, não é sempre que se sente aquele prazer, aquele viver gostoso. Faz parte, aprende-se com o tempo. De qualquer forma, aceitar os momentos assim é tarefa muito difícil. Somente estando sereno é que se conseguirá centrar-se e aquietar a alma, do contrário a temperatura dentro de si vai subir e você irá reclamar desse dia que passa e você com a alma dilacerada pelo calor do cozimento.