O trato do dinheiro público
O TRATO DO DINHEIRO PÚBLICO
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 08.04.2009)
Circulam notícias de que deputados estaduais catarinenses mostram-se subitamente interessados em assuntos da cultura. Deixam-se informar sobre projetos de artistas locais, sobre as obras que sonham executar. Chegam ao ponto de escrever e assinar documentos (cartas, no caso) tratando da matéria.
Que diabos os estarão movendo para assim procederem?
Um só: o Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura.
Na verdade, o que lhes interessa é o dinheiro que vai jorrar daí. O dinheiro e, claro, os votos que ele pode render.
O Edital conta com um orçamento de 6,4 milhões de reais para distribuir entre 229 projetos culturais em sete áreas (arte popular, artes visuais, dança, letras, música, patrimônio cultural e teatro), os quais serão escolhidos em seleção pública por seus méritos intrínsecos dentre as 1.300 propostas apresentadas à Fundação Catarinense de Cultura. Como em qualquer concorrência pública - para construir uma ponte, pavimentar uma estrada, erguer um hospital, levantar uma escola, comprar merenda escolar, máquinas, veículos e remédios para a rede pública -, o sigilo dos proponentes tem que ser garantido. Isto em processos limpos, legítimos e honestos - e não há nada, no caso, que possa levar à mínima suspeita sobre a lisura na administração do Edital.
No entanto, há deputados estaduais catarinenses escrevendo cartinhas para pedir, descaradamente, que este ou aquele projeto, deste ou daquele correligionário, seja "agraciado" com as bênçãos da escolha, a qual se dará por análise de comissões julgadoras especializadas que sequer foram nomeadas. Sabe-se que missivas desse teor já chegaram às mãos e aos arquivos de dirigentes da Fundação e da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte, promotoras do Edital juntamente com o Conselho Estadual de Cultura. O que não haverá, no mesmo sentido, de mensagens eletrônicas, recados, telefonemas e conversas ao pé do ouvido para o secretário, lideranças influentes, eminências pardas, o vice-governador e o próprio governador do Estado?
Tratam-se, aqui, de projetos magros, com valor médio de 27,9 mil reais, dos quais deve sair um livro, um CD, um DVD, a encenação de uma peça de teatro, um espetáculo de dança, um quadro, uma escultura. O que não farão nossos deputados quando estiver em jogo uma ponte, uma estrada, um hospital, uma escola, uma compra de vulto para todo o Estado?
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Insidioso Fato - Algumas historinhas cínicas e moralistas", contos, UDESC/Editora, Florianópolis)