PASSADO NA CHAPA

QUEM VIVE DE PASSADO É MUSEU assim diz o adágio popular. Neste caso eu sou um museu ambulante. Vivo um eterno passado, muito mais do que do futuro que não conheço, nem posso ter certeza. E o passado posso contar. Na verdade eu ando no calçadão e vejo as pessoas a minha volta, fico imaginando que cada uma tenha a sua historia, então ali está uma biblioteca ambulante. Cada pessoa é um livro, alguns mais interessantes que outros. Eu sou um. Sou um livro aberto e por isso vou te contar a minha historia: Eu quando pequeno morava em Licínia e logo fui incumbido de um trabalho, porque tinha de ajudar meus pais, que tinha muitos filhos, e eu era o mais velho destes. Tinha doze anos quando passei a levar café e bolo, também pão para meu pai vender na cidade de Roguá. Ele ficava perto de um viaduto, próximo a rodoviária e parece que quem saltava ali tinha muita fome e consumia rapidamente o que meu pai levava na manhã de cada dia. E assim ele conseguia um dinheiro que era para o sustento da grande família, mas o que levava acabava ao meio-dia e eu tinha de levar mais café e pão e queijo para meu pai vender a tarde na rodoviária. Ali na rodoviária ele tinha uma máquina que esquentava o pão, e até eu gostava muito do pão passado na chapa. E eu entrava no ônibus da viação Leme e este me levava a Roguá. Eu era muito magro e por isso os motoristas achavam que eu podia viajar de graça, já que carregava uma bolsa enorme contendo aqueles alimentos. Mais ou menos na metade do caminho eu via um prédio com um letreiro LAPO e aquele nome ficou marcado na minha memória por muito tempo, mas eu não sabia o que significava aquele nome: Lapo. Também o ônibus entrava numa rua antes do sinal, de modo que eu nunca sabia o que havia ali naquele prédio e acreditava ser uma loja. Quando cresci comecei a trabalhar na viação Leme e continuei vendo aquele nome, porquanto os ônibus da viação, por ali passavam sempre. Era um nome interessante e ele me marcou como algo de um passado, mas me perseguiu em toda a minha vida. E os meus irmãos me substituíram em levar lanche para meu pai, porque eu havia crescido. Agora casado com Rute, ela havia ganhado de seus pais um presente de casamento: todos os móveis da casa. E muito feliz ela chegava em casa dizendo que seu pai a levou na Lapo para comprar todos os móveis da casa. Só então vim a saber, que aquela era uma loja de móveis. O caminhão da Lapo chegou e eu pude realmente constatar. E assim eu vim a saber que Rute, minha esposa estava grávida. E quando o bebê nasceu recebi da viação Leme uma carta de demissão. Estava então triste e feliz ao mesmo tempo. Feliz pelo bebê que nasceu e triste pela demissão. Pensei em fazer uma concorrência com meu pai lá na rodoviária, mas então mais uma vez o meu sogro apareceu e me disse que havia uma vaga para trabalho, pasme, numa loja de móveis. Quando ele me falou uma loja de móveis, então me ocorreu que fosse a Lapo. E era. Ele me deu exatamente aquele endereço, o qual eu conhecia muito bem. Disse-me, porém que eu deveria passar por uma entrevista e assim, na segunda feira lá estava eu para a entrevista. Achei que lá encontraria outros candidatos a vaga, mas para minha felicidade havia apenas um homem na sala de espera. Ele me perguntou se também vinha para entrevista e eu respondi que sim. Ele se apresentou como Carlos Moraes e eu disse que precisava muito trabalhar. Ficamos disputando quem precisava mais daquele emprego, já que havia apenas uma vaga. Tudo o que eu queria era que ele desistisse e me desse a vaga afinal eu tinha um filho para sustentar. Ele mesmo não me pareceu precisar tanto do emprego quanto eu. Quando reclamei que o entrevistador demorava, ele me disse que eu já havia sido entrevistado, era ele o entrevistador. Também era ele o gerente geral da empresa. Então a Lapo havia me recebido de braços abertos. Estava eu ali, empregado e sem acreditar que o próprio Carlos Moraes havia me admitido. Tempos se passaram e eu sou um dos gerentes na loja de Janiópolis. Em minha sala ainda estão os móveis em estilo antigo, porque amo o antigo, o passado. Móveis, músicas, fotos antigas, livros, tudo do passado me encanta até o pão passado na chapa.

Tenessee
Enviado por Tenessee em 07/04/2009
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