MEMÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA – Semana Santa no interior
Lembro-me que a preparação começava na segunda-feira, dia em que minha mãe ia pra feira comprar o bacalhau, leite de coco para o tempero deste e do cágado, iguarias que com a abstinência da carne, não podiam faltar. Como era delicioso o almoço nesses dias! Jejum pela manhã, família reunida ao redor da mesa farta... Embora ninguém mais conseguisse comer peixe pelos 365 dias seguintes.
Na quarta-feira o trabalho na roça ia se abrandando, era o primeiro dia de jejum. Começavam as visitas dos afilhados sempre com algum agrado para os padrinhos, que em troca, não lhes deixavam voltar sem um trocado.
Na quinta-feira pela tarde, os animais começavam a ser poupados: não se montava cavalo, nem se “encangava” os bois-de-carro, as vacas não se apartavam, não se judiava o cachorro.
Na sexta-feira era o dia de grande penitência: pedia-se bênção aos mais velhos de joelho, não se vestia vermelho, subia-se o cruzeiro em oração, acompanhava-se a Via-Sacra e a procissão, para finalizar, os adultos ficavam em vigília do Senhor Morto, até o romper da “Aleluia”!
No sábado, o dia mais esperado, festa no mercado da carne do povoado, para compensar os dias de penitência.
No domingo, o dia da Páscoa, não se sabia o que eram "ovos de chocolate", mas tinha a Queima do Judas pelas ruelas do povoado: um homem puxando no bagageiro da bicicleta, um boneco de pano em tamanho natural, que depois de vaiado pelas crianças era queimado em praça pública...
Hoje, na adultice da minha vida, os “costumes” se perderam, quando me dou conta da quaresma a páscoa já se anuncia, e não é pelo momento de oração, mas pelos ovos de páscoa que preenchem as prateleiras dos supermercados.
Meus filhos certamente, não terão memórias como essas, que se perdem na modernização do homem ou na pouca prática da fé. É provável que eles achem que domingo de Páscoa é o dia que inventaram o OVO DE CHOCOLATE...