Teatro da padaria II
Andei longe, é verdade. Volto agora mais maduro e mais exato. Não pensem que esqueci o que escrevi: apenas me desliguei por um tempo. Desligo-me como se uma máquina fosse; como se não sentisse nada além do absurdo de não ser como deveria, de enxergar as coisas mais de perto, enfim, de não sentir o sentido do significado do sentimento como poderia. Terminei por não terminar o texto anterior a este, e deixei para hoje essa louca missão. Me fiz num espaço de tempo incrível – e, olhem, não percebi isso; mas sei o porquê. Vivi o que iria traduzir naquele texto, é certo; não poderia, porém, expressa-lo bem. É por isso que hoje volto, como o louco de volta à consciência. Após pegar o ônibus, como suso (texto anterior) mencionado, fechei os olhos por tempo indeterminado, e segui. Fui pelos ares imensos da janela aberta, com o olhar afogado dentro de mim, como que vivo num aquário que, mesmo que belo, se limita por paredes de vidro inquebráveis. É verdade que não posso modificar tudo em mim; não posso, se quer, entender o que me motiva todos os dias. Esse aquário, essa prisão domiciliar intrínseca, foi com ela que conversei durante a viagem: interroguei-a, questionei-a e, quando não pude mais, a xinguei. “Por que a não entendo?”. Nem essa pergunta eu posso entender. Desci em um ponto que, se esforçar a memória, talvez lembre qual seja, mas não irei me prender a isso: sei que o seu significado é substancialmente idiota, e não irá cumprir objetivo algum ao ser dito. Caminhei, a ermo, por algumas horas. Não é o que aconteceu nessa caminhada, nem no ônibus, ou se quer na volta, que me atordoou: mas o que se deu no meio disso. É indescritivelmente belo se fazer o que não era pra ser feito, quando deveria ser feito. Eu não poderia fugir ao meu caminho, entretanto o fiz. Eu fugi ao que sou, e fui eu querendo não ser. Quando desloquei-me e não fui àquela mórbida padaria; quando vi cintilar os sinos do silêncio no ônibus, e não o barulho atormentador dos conversadores de fila, foi ai que entendi o significado de não ser uma representação do que os outros pensam, ou são. Era eu conhecido por ir todos os dias àquela mesma padaria, àquele mesmo horário, mas fugi a isso. Em princípio, pensava: “que pensarão aqueles que sempre lá me vêm? O que dirão quando não me virem? O que falarão de mim?”. Ocorre que não é sobre o que falam de si, mas o que se fala de si, que deve ser baseada minha vida. Voltei ao ponto de ônibus para voltar à minha casa, e parei. Sentei-me ao lado de uma moça que, apesar de não lembrar sua face, ensinou-me muito. Ela fumava. Eu não suporto o cheiro óbolo do cigarro. Iria sair, mas, por um impulso, detive-me. Pensei um pouco, resolvi sair. Não cruzei seu olhar, não mais a vi, sai de perto dela; sai de perto do que incessantemente me incomodava. Se fosse outro, se tivesse ido à padaria, se não tivesse pegado aquele ônibus, se tivesse dormido até mais tarde, se necessitasse fazer algo para minha mãe; se não pudesse fugir à minha rotina insolente, nada disso poderia ter sido feito. Eu pensaria: “Irá sentir-se, essa mulher, ofendida por, na hora que ela chegou perto de mim, eu me afastar?” Mas que significado teve isso naquela hora? Iria suportar a angústia das fumaças indolentes do cigarro por um simples pensamento do pensamento? Por que maldição eu pensava no que ela pensava? Não. Não sou, e não fui, um pusilânime; não me curvei àquele pensamento imbecil nem a imbecilidade que, as vezes, me embebeda. Sai de perto da moça; não senti o cigarro; não pensei mais no que ela pensava; não ouvi, se quer, nada. Fui, dessa forma, para casa. Essa foi a minha simples fuga de rotina, o meu desatino em favor de mim mesmo.