VIOLÊNCIA
“Não existe uma definição consensual ou incontroversa de
violência. O termo é potente demais para que isso seja possível”.
Anthony Asblaster
Dicionário do Pensamento Social do Século XX.
Recentemente participei de um treinamento para trabalhar no Projeto de Extensão que o FILOSOFARTE, junto com outras entidades, fará no complexo penitenciário Mário Negócio. Durante a exposição dos treinadores comecei a sentir que não teria estrutura para o referido trabalho. Mas, otimista que sou, acreditei que conseguiria superar minha dificuldade em lidar com patrocinadores da violência. Afinal, o trabalho será realizado com apenados em regime semi-aberto, ou seja, indivíduos que logo estarão de volta ao convívio social e que já pagaram, em parte, por seus crimes, pela violência cometida.
Eu sempre li muito sobre este tema. Sempre me perguntei: O que é violência? Qual sua origem? Por que nos tornamos violentos? Segundo o Dicionário Houaiss, violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força”. No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”. Para Organização Mundial da Saúde (OMS) a violência é “a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Estes conceitos não esgotam e não respondem, satisfatoriamente, a questão.
A violência é muito mais abrangente. Está imbricada com outros conceitos e tem raízes em diversas patologias sociais. Especialistas afirmam que o conceito é muito mais amplo e ambíguo do que essa mera constatação de que a violência é a imposição de dor, a agressão cometida por uma pessoa contra outra; mesmo porque a dor é um conceito muito difícil de ser definido.
Podemos entender a violência como toda violação aos direitos civis (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e manifestar sua própria cultura). As formas de violência, tipificadas como violação da lei penal, como assassinato, seqüestros, roubos e outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio, formam um conjunto que se convencionou chamar de violência urbana, porque se manifesta principalmente no espaço das grandes cidades.
Mas, por mais que eu leia, acumule informações, “entenda” os vários fatores que provocam a violência, continuo tendo dificuldade em lidar com pessoas violentas. Que praticam a violência. No dia seguinte ao primeiro do treinamento fui informada que minha cunhada Sunally, pessoa a quem amo como uma irmã, fora vítima, junto com seu filho mais velho, de um assalto. Bandidos (desculpem o termo) entraram em sua residência e patrocinaram cenas explícitas de violência. Além do grande prejuízo material ficou a marca mais forte, mais difícil de ser arrancada: a da violência física usada contra todos que estavam na casa.
Quando soube da notícia liguei para minha professora, pedi desculpas e comuniquei que não continuaria no projeto. Sei que é um ato covarde, mas conheço meus limites e trabalhar com pessoas que matam, roubam, estupram, etc., é uma deles. Sei que todos precisam de uma nova oportunidade, e que, quem cumpre sua pena merece ser reintegrado a sociedade. E por mais estranho que possa parecer, eu acredito na recuperação das pessoas, mas não tenho estrutura para o trabalho junto a elas. É estranho, é paradoxal, mas sou assim e ainda não consegui evoluir neste sentido.
Tenho consciência que as questões pessoais são menores que as sociais, que meus interesses não podem ser colocados acima dos interesses globais, sei de tudo isso, mas quando a questão é violência meu egoísmo fala mais alto e esqueço todas as teorias. Viro uma pessoa individualista e não encontro caminhos que me levem até o outro, todos eles se abrem em direção aos meus medos, fantasmas e limitações. Um dia quem sabe...