Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando o dia de esperar ninguém, pertencia a Chico Buarque.
Ele nos deu de presente. Tal é tudo que nos cerca, um grande presente, vindo. Tal é o movimento que temos – indo. Muita gente, ao nascer, cumpriu sua parte no trato: deixou o mundo muito melhor do que era, depois de sua passagem. Homens e mulheres de todas as partes, infinitamente anônimos, se esquecermos os contábeis, que notáveis se tornaram, embora não devam ser esquecidos.
Na idade média, era terminantemente proibido rezar para Judas, o padroeiro das causas desesperadas, em virtude do xará, aquele do beijo de 30 moedas. Temia-se um engano.
Esperando o dia de esperar – o sol nascer para todos, já que isso, definitivamente, é um sofisma.
Nalguns pontos do hemisfério saxão, no século XIX, as mulheres foram proibidas de usar a máquina de costura, pois a mesma poderia
exacerbar-lhes a libido. Nossos temores são apaixonadamente estúpidos.
Nossas penas são cruéis.
Esperamos algo que não se explica como e quando chega. Rigorosamente, a cada 76 anos, o cometa Halley passa ao lado da Terra e vai embora. Ninguém explica como nem por que.
Tal é a parcela que enxergamos: movediça.
Esperando o dia de – as árvores gargalharem, aliviadas, e depois sussurrarem umas para as outras: ufa, foi por pouco.
Esperando o dia de – não mais ver os sonhos serem destruídos pelos hábitos.
Esperando o dia em que mola, pinóia, boléia e carambola sejam usadas na mesma sentença, e de que esta não queira expressar nada, a não ser sorrisos de alívio, quando todos diremos: ufa, foi por pouco.
Homens e mulheres de todas as partes, infinitamente anônimos, quando partiram, e graças a força de suas convicções, deixaram o mundo um lugar melhor para se viver.
Justificaram nada, cobraram nada, alegaram nada. Simplesmente cumpriram sua parte no trato. Jorrar é uma incumbência. Espera-se que um dia voltem. Estão, nesse exato instante, idealizando suas trajetórias, realizando o contorno nalgum ponto, e voltando para cá.
Vamos precisar de cada braço, cada percepção e cada vontade, para que, na soma dos intentos, o próprio horizonte suspire aliviado: ufa, ninguém mais nos ameaça.