Desafio Literário: Viver entalado, especialidade de muitos
Desafio Literário:
Viver entalado, especialidade de muitos
suzabarbi@hotmail.com
Tinha “inho” só no nome.
Murilinho nasceu com 4,8 kg para o espanto de todos.
-Esse menino já tá criado, Zefa!
A madrinha gritou tão logo viu Murilo no berço.
A mãe, Josefina de Jesus, Zefa, moça fina de corpo, miúda de estampa, olhava pra o bebê sem acreditar.
Como é que menino tão rechonchudo foi sair de barriga tão miúda?
O pai, estudante de jornalismo, acendeu logo um charuto e comemorou o rebento.
Mesmo sem terem se casado e com as famílias brigando de um lado e de outro, estavam felizes.
Iam criar Murilinho pra ser um menino de ouro.
Aos dois anos, a criança já ensaiava falar.
Mas não conseguia andar.
- Tem que parar de dar papinha pra esse menino, Zefa! Não vê que ele não para de engordar?
Preocupado, o pai colocava Murilinho para dar os primeiros e tardios passos.
Como uma abóbora madura, ele esborrachava no chão e abria o maior berreiro.
Não tinha vizinho que suportasse mais.
- Pode-se ver que os pulmões do garoto são tão saudáveis quanto ele!
Explicava o pai aos reclamantes, que saíam dali enfurecidos.
Ninguém mais conseguia dormir no prédio.
Aos quatro anos, Murilinho era um azougue.
Um azougue gordo.
Apesar do peso, era ágil.
Mas tinha um pequeno problema: queria um velocípede.
E não existia velocípede que coubesse Murilinho.
Naquela noite, quatro vizinhos se mudaram do prédio.
Não podiam mais escutar Murilinho chorar.
Uma vizinha mais irada subiu as escadas e tocou a campainha na casa do chorão:
- Desejo de todo o coração que Murilinho pegue uma gripe! Quem sabe assim os pulmões dele não fiquem mais “tão saudáveis”! Ninguém aguenta mais pulmões “tão saudáveis”!
E desceu as escadas, como louca, repetindo:
-Deus me livre de pulmões tão saudáveis! Deus me livre de pulmões tão saudáveis!
Aos sete anos, Murilinho era uma máquina na “Queimada”, jogo de bola muito conhecido nos colégios da época.
Máquina não.
Uma muralha!
Nada passava pelo corpo do garoto.
Ele protegia o time todo.
Na hora de escalar o time, não tinha quem não escolhesse o Murilinho.
Era briga de foice.
Até que um dia, para não deixar o companheiro de time ser “queimado”, Murilinho saltou em cima do jogador adversário.
Três costelas quebradas, braço esquerdo deslocado e suspeita de fratura nos dedos da mão direita.
Sem falar que tiveram que fazer respiração boca a boca para o menino voltar a respirar.
Murilinho caiu com a barriga bem em cima do estômago do coitado.
Foi expulso do colégio.
Aos dez anos, Murilinho era o terror da mãe.
D. Zefa, senhora distinta e educada nos melhores cursos de etiqueta da cidade, passava vergonha ao ver o menino nos aniversários dos colegas.
Era sempre o primeiro a chegar à mesa para soprar as velas e ficar o mais perto possível dos brigadeiros.
Nem bem os parabéns chegavam à metade, no chão, um caminho de forminhas vazias circundava Murilinho e um pedaço e-nor-me de toalha vazia aparecia em frente a ele, enquanto o restante estava coberta de docinhos.
Murilinho era levado dali, puxado por um discreto beliscão, enquanto D. Zefa tentava com os pés espalhar tanta forminha.
Naquele dia resolveu: antes de cada festa de aniversário entupiria o menino com arroz, feijão e farofa.
Era a única maneira de não passar mais tanta vergonha.
Até parecia que o garoto passava fome em casa!
Aos quinze anos, Murilinho quis ganhar seu primeiro dinheirinho.
Conversou com os pais.
Tinha vaga numa lanchonete.
Lanchonete?
Os pais logo se opuseram.
Que seria de Murilinho tão perto dos X-tudos?
Mas o menino explicou: o trabalho era externo.
Trabalho externo?
Quem sabe fazendo entregas o garoto não se exercitaria e perderia peso?
Concordaram.
Voltando do serviço, o pai passa na porta do trabalho do filho.
Na frente, uma criatura e-nor-me, vestida de sanduíche, entrega-lhe um folheto com as promoções do estabelecimento.
Já ia agradecer e perguntar se o sandubão humano conhecia Murilinho, quando reconheceu o próprio filho debaixo daquela coisa.
- Pai?
- Murilinho?
E um sanduíche disparou correndo rua afora, seguido por um senhor furioso gritando atrás.
Tão logo o gerente do lugar se deu conta da situação, não sabendo se tratar de briga familiar, chamou a polícia:
- Tem um doido aqui querendo bater no meu sanduíche.
Sem entender nada, a polícia baixou no local e levou todo mundo pra delegacia.
Murilinho-sanduíche não passou na porta.
A alface, o presunto e uma fatia do pão ficaram pra fora.
Aos vinte anos, Murilinho operou o estômago.
Emagreceu um horror!
Conheceu Maria da Glória, moça recatada, de família simples, mas muito educada.
Com os hormônios pululando, trocou a gula pelos arroubos sexuais.
Mas Maria da Glória não era moça sirigaita.
Queria manter o recato até o dia do casamento.
Murilinho tentava de tudo.
E tudo era negado.
Até que um dia convidou-a ao cinema.
Lugar escurinho, os dois juntinhos, quem sabe ela não se animaria vendo o beijo da mocinha?
Na parte mais romântica do filme, ouve-se uma voz alta.
Pra todo cinema ouvir.
- Eu? Maria da Glória? Filha do Seu Paulo da padaria e da D. Judith dona do salão. Professora quase formada. Estudante de inglês. Pegar nisso aí? Mas nem morta!!!!
Murilinho teve que correr pra não apanhar.
Aos vinte e quatro anos, Murilinho conheceu Rosa.
Linda Rosa!
Corpo escultural.
Fogosa de dar gosto.
Tanto fogo não deu em outra: em pouco tempo de namoro, Rosa estava barriguda.
Mesmo sem terem se casado e com as famílias brigando de um lado e de outro, estavam felizes.
Nasceu Márcia.
Marcinha.
Uma linda e rechonchuda criança.
Aos quatro anos, Marcinha provocou o maior alvoroço no parquinho.
Ficou entalada no escorregador.
Tiveram que serrar o dito cujo para tirá-la de lá.
Marcinha berrava.
Do outro lado do parque, uma mãe comentou:
- Essa menina deve ter os melhores pulmões do mundo. Nunca deve ter tido uma gripe na vida!
E a outra respondeu:
- Coitado dos vizinhos...
Desafio literário feito por Fernando Fonseca, meu grande companheiro de vida e de alegria:
Réplicas:
Álvaro Luís:
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Flávio de Souza:
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Maith:
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Josadarck:
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