O FEITIÇO PODE VIRAR
Chica: com os meus cumprimentos,
Uma crônica para nós.
Mando às favas a sentença de Terêncio, que diz: Senectus ipsa morbus est ( a própria velhice já é uma doença) e aceito o conselho de Carla Camurati, que manda pensar na velhice de maneira legal.
Deste modo, devidamente assumida e ainda sem os sintomas da esclerose arterial, cá estou, tentando ouvir “spirituals”, a música religiosa dos negros do Sul dos Estados Unidos, na voz de soprano de Jassie Norman que, se a memória fraca não me falha, disse ao ser acusada de estar em decadência vocal: “Assim como pagar imposto é ruim mas tem também algo de bom, os críticos devem servir para alguma coisa. Só não descobri pra quê.
Vivo no ócio, nem tricotar sei. Assim, enquanto o seu lobo não vem e eu não perco de todo a transparência do cristalino, costumo contar histórias para os netos – já tem dois por aqui me cercando – para eles conto a fábula de Esopo: “ O Leão velho, o asno, o touro e o porco”. Conta-se que um leão velho que quase não podia andar, encontrou-se com um asno, um touro e um porco. Vendo estes que o leão por velhice se movia com dificuldade, disseram entre si: Ora é tempo de nos vingar deste traidor, que matou nossos parentes e nos fez muito mal. E o asno lhe deu dois coices, o touro lhe meteu os chifres e o porco lhe atacou com os dentes. O leão chorava e lamentava dizendo: Tempo houve em que eu vencia todos os animais! E agora todos os animais me vencem!
Explico para os netos a moral da história: A maldade não é uma boa pedida; o feitiço pode virar contra o feiticeiro.
- Conta outra vovó! – meu neto Cláudio Otávio
- Conta, conta! – minha neta Maria Clara
Era uma vez... uma vez... zzzzzzzzzzz
-Acorda vovó!!
-Hem! Hem! Já é Páscoa ! Cadê o coelhinho? A família feliz já voltou das compras
-Senti um beijo em cada lado da face, uma mãozinha alisando os meus cabelos e uma vozinha sussurrando: dorme vó... e sonha... zzzzzzzzzzz