O menino que falava francês

Aos três anos, meu filho foi para uma escola bilíngue, onde as aulas eram dadas em francês. Até então ele nunca havia escutado nada em outro idioma. De qualquer modo, achei interessante e expliquei que no início talvez não entendesse o que a professora pedia, mas logo se acostumaria. Para animá-lo, disse que lá os coleguinhas o chamariam de Josê. Ele achou graça e ficou entusiasmado.

Josê gostou da escola e logo começou a se adaptar. Falava o que queria em português e, aos poucos, passou a entender o que todo mundo dizia. De minha parte, fiquei impressionada com a capacidade das crianças em compreender outras línguas. E como ouvem bem! Sem nenhuma inibição, são capazes de repetir palavras com a pronúncia exata. Elas não têm, como os adultos, medo de errar. A Psicologia diz que nossos ouvidos caducam para as línguas estrangeiras aos nove anos de idade. Talvez por isto tenhamos tanta dificuldade em aprendê-las.

Vivenciando o dia-a-dia em outro idioma, os progressos foram rápidos. Não tardou para que meu filho passasse a brincar em francês. Aliás, isto acontece com freqüência em meios como aquele. Crianças de nacionalidades diferentes unem-se pelas brincadeiras. Mesmo sozinho em casa, às voltas com seus carrinhos, ele dizia “allez!”, “vite”, “arrête!” (vá, depressa, pare).

Quando íamos ao supermercado, ele costumava apontar produtos e dizer os nomes em francês. Eu o estimulava, perguntava por isto ou aquilo, ao mesmo tempo em que testava seus novos conhecimentos. Infelizmente, logo ele percebeu que isto chamava a atenção e não quis mais saber da brincadeira.

Ao final do primeiro semestre entregaram-me seus trabalhos. Eram quase todos desenhos ou figuras pintadas. Olhando uma folha com objetos de cozinha, quis certificar-me de que ele já sabia do que se tratava. Fui mostrando um a um e ele dizia corretamente as palavras. Quando apontei a geladeira, o menino empacou. Pensou um pouco e, com a cara bem marota, soltou “c´est... c´est... la geladérre”!

Passados tantos anos, até hoje aqui em casa a geladérre é a geladérre, uai...