"NÓS" - OS VERDADEIROS LADRÕES...

Colocando-se todas as preciosidades que existem entre o céu e a terra, absolutamente todas, nada custaria mais caro do que alguns pedacinhos de tempo regados a um suculento molho de “aqui e agora”. Em alguns casos celebridades acostumadas ao melhor caviar e pedrarias reluzentes são consideradas meros mendigos se comparados com a fortuna que teriam de ter para apreciar tão apetitosa iguaria. E para o desespero destes desafortunados lê-se um provérbio francês: “Quem ganha tempo ganha tudo”.

Considerando que a vida presenteia-nos logo na largada do nascimento com uma porção mágica de grandes pedaços de tempo e que com os dias vão se tornando cada vez mais escassos; é de se perguntar então, quem estaria roubando-nos estes deliciosos e inebriantes favos de mel divino? Machado de Assis, nosso escritor maior, na tentativa de responder a tal colossal e perseguidora indagação quase desfilou uma vitoriosa resposta: “Não é a ocasião que faz o ladrão; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: a ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito”. Errados estão o provérbio e Machado de Assis, a ocasião e o ladrão fazemos nós. Seria ainda mais correto dizer que a vida é uma vivência de roubos, uma seqüência de miseráveis saques à mão armada por incontáveis artifícios da habilidosa arte de enganar, enganar-se e ser enganado - a vitória solista da matéria só não é mais esmagadora porque não conseguimos enganar o tempo.
Com qual ladrão vestimos nossas desculpas e ocasiões? Responder a esta entrincheirada e silenciosa voz parece ser o único caminho possível para descobrir a natureza de nossas angústias. Como numa atitude maniqueísta duas são as possibilidades - vestimo-nos como Gesmas ou Dimas, os dois ladrões mais famosos da história. Entre o Cristo crucificado a iluminar caminhos todos os dias, há a escolha de ouvir Gesmas, o ladrão arrogante do lado direito - mesmo com tantas evidências de sua morte, ainda tenta enganar o tempo, desafia estupidamente o Senhor da Vida e da Morte a provar seus poderes: “Não és TU o Messias? Salva-te a TÍ Mesmo e a nós”.(Lc 23,39); ou refletir como fez Dimas, o ladrão da esquerda - o tempo já está no seu último suspiro, nada mais é possível senão dizer: “SENHOR, LEMBRAI-VOS DE MIM QUANDO ENTRASTE EM VOSSO REINO”. Pelo que concorda o Mestre: “… Em verdade te digo HOJE: estarás Comigo no paraíso.” ( Lucas 23:43). Note-se que os dois pontos colocados em “HOJE” é a tradução mais correta para o português do texto grego “amem soi legõ sêmeron met emou esê en tõ paradisõ”. Estes dois pontos acentuam a conclusão que Dimas não foi para o paraíso - o Mestre apenas abriu-lhe a porta (não como se faz entender algumas traduções, “… Em verdade te digo HOJE estarás Comigo no paraíso.”). Mais que isso, estes dois pontos significam aquela pausa reflexiva que todos nós ladrões ganhamos, quando arrependidos, para evocar a sabedoria de que a qualquer tempo ainda podemos provar daquela parte mais gostosa do manjar da vida - ter tempo para exercitar o amor na sua forma mais cristalina, a caridade por nós mesmos - Reconhecer-se derrotado por tantos exercícios materialistas que nos cobram mais e mais riquezas não configura fracasso, ao contrário, é o primeiro passo, um grande passo para reconstruir a trilha que nos leva diretamente aos pedaços de tempo mais valiosos e roubados por nós mesmos.

Para quem duvidar do poder desses dois pontos não casuais que promulga a felicidade na vida por ganhar pedaços de tempo é só observar então algumas vírgulas que aqui e ali recolocadas devidamente podem salvar-nos da pior morte - o auto-exílio sentimental. Conta-se que uma governante trocando apenas uma vírgula, salvou um prisioneiro do exílio. A mensagem que recebeu, dizia assim: “Perdão impossível, enviar para a Sibéria”. Com muito tato e cuidado, ela transferiu a vírgula para outro lugar, e a ordem passou a ser: “Perdão, impossível enviar para a Sibéria.” Eis mais um milagre que só os Dimas são capazes de alcançar antes do ponto final.

É comum ouvir no texto que vivemos, entre vírgulas, pontos, dois pontos e outras graduadas pontuações, algumas irônicas frases que consideramos injustas ao nosso respeito. Para clarificar a mente só ouvindo esta observação de Shakespeare: “Os ladrões (os outros) têm o direito de roubar (roubar-nos), quando os próprios juízes (nós) dão o exemplo”. Ponto final, o tempo acabou… Dimas ou Gesmas eis a questão!



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