Sobre dor e letras
Encolhida em frente ao computador, ouvia-se apenas o barulho das teclas, ininterruptos e nervosos tec-tec-tec. Mais uma vez, fora despejar a sua dor nas letras. Quem, além delas, poderia entender-lhe tanto e com tal força? Tiritava de frio, mesmo sendo verão, mas não podia parar. Conhecia aqueles calafrios, sabia de onde vinham e como interrompê-los. Tec-tec-tec-tec....
Fazia, assim, a punção de sua alma. Transportava seus sentimentos do coração para as veias, corriam como fel misturado ao sangue, iam para as pontas dos seus dedos, venciam a barreira da carne e se transformavam em letras, palavras, sentenças e parágrafos que a libertavam. A sangria da dor, um pássaro que reaprende a voar, um coração que volta a bater, um corpo que suspira aliviado e adormece. Em uma velocidade que não podia acompanhar, ela simplesmente escrevia, como se cada palavra fosse psicografada pelo espírito de sua dor. Podia passar horas fazendo aquilo, até que sua pulsação voltasse ao normal, até que o frio a deixasse e uma entorpecente sensação de calor percorria-lhe da cabeça aos pés. Até que a última gota de sentimento se transmutasse em palavra, então o corpo estava liberto e o primeiro bocejo indicava que era hora de dormir em paz.