Pequena Curiosidade da LP

O f A d O

A f O d A

Duas palavras aparentemente distintas. Apenas duas consoantes. Onde numa há uma vogal (O), na outra tem-se uma outra vogal (A), nas mesmas posições e vive-versa. Ambas abertas. As consoantes, as mesmas. Até os chamados artigos definidos respeitam as suas posições como nos substantivos. Tanta afinidade deve contribuir para a aproximação das duas palavras.

o fado é uma canção

a foda é uma relação

uma, uma opinião

a outra, uma conclusão

Podemos opinar com uma canção. Na foda, a opinião, normalmente conclusiva, é uma só: conduz ao prazer. O fado quase sempre exalta uma relação de amor, com a Natureza ou com alguém. A foda é uma canção que não se precisa cantar.

Poderíamos dizer que o fado é específico. É uma canção portuguesa. A foda não, é universal. Mas não haverá especificidade na foda de cada um? Não haverá aí uma noção de nação? Uma nação de dois? Ou mais?

A conclusão a que chego é que as duas palavras são muito próximas. E a linguagem grafada, inventada pelo homem para reproduzir, quase sempre, os desejos humanos, não pode fugir à essa imposição: as duas palavras, aparentemente distintas, têm muito em comum. Por isso foram mantidas as consoantes, alterando-se apenas as posições (na verdade as mesmas) das vogais. Posições que transmitem uma falsa idéia de diferenciação total entre os dois vocábulos.

Note-se que na canção, com gênero masculino (o fado), a abertura da vogal tônica (A) sugere amplidão, podendo a palavra se referir a diversas situações ou momentos. Na foda, de gênero feminino, a abertura da vogal acentuada (O) sugere uma situação definida, única, tratando-se de um só momento, da especificidade do ato, que pode também ser uma canção (de amor). Que adoramos repetir, como os belos fados entoados por magníficos cantores.

E qual de nós não procurou pela melhor cantada para obter uma boa foda?

“Uma das teorias sobre as origens do fado é a de que ele teria sido trazido por marinheiros, que o implantaram em Alfama como dança de bordel, grossa e obscena, sobretudo cantado à desgarrada”. Essa teoria só vem reforçar a nossa tese. Poderíamos até imaginar a “foda” como sendo uma corruptela ou modificação da palavra “fado”, canção apenas permitida em ambientes licenciosos naquela época. Daí a palavra “foda” ser tida como obscena, sendo a sua realização de aceitação tácita nas chamadas casas de tolerância e bordéis, lugares não aconselháveis a todos, apesar de se dar também, é claro, em diferentes locais e momentos de nossas vidas.

Face à relação tão próxima entre os dois vocábulos, por que teimamos em considerar um deles chulo, pequeno e de baixo calão, além de nocivo aos baixinhos, quando se diferencia do outro apenas pela posição das vogais? Será porque tal vocábulo relaciona-se ao prazer e certos tipos de prazer devem permanecer escondidos?

Há verdadeiramente um mistério nisso. As palavras são escritas com as mesmas letras, mas alterando-se as suas posições nos vocábulos, inclusive no que se refere aos artigos, uma se torna proibitiva e a outra não. Claro está que esse mistério só pode residir na cabeça das pessoas. Até porque as palavras não saíram do ar ou não estão na terra como a água, o fogo etc. A capacidade intelectiva do homem as produziu.

Reconheço que ficou faltando uma consulta ao dicionário etimológico. Deixo, no entanto, isso ao leitor mais aplicado e com mais tempo que eu.

Rio, 31/03/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 01/04/2009
Reeditado em 01/04/2009
Código do texto: T1516610
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