História de Pescador.
Acordei obstinado: iria pescar. Sol de verão chuvoso. É esse o ânimo daquele que não sente: dorme em pé. Não era, entretanto, esse o sol do dia que raiava, que era demasiado forte e vívido, como nós na presente aventura. Levantamos, comemos, saímos. Ficou para trás somente a lembrança escura da casa, coberta pelas nuvens. Nos direcionamos, descalços de sapatos e esperanças, à praia. Explico. Nunca fomos se quer míseros pescadores (tentamos, é verdade). Somos dirigidos mais pela emoção extraordinária de sentar e não fazer nada, do que propriamente pela habilidade trivial, que nunca tivemos e (acredite!) nunca teremos. Atrelados, como homens fies, ao mar, sentamo-nos. Indiretamente proporcional ao nosso estado de espírito, era triste e sinfônico o barulho dos ventos sobre a água. Entendia-os como se a tudo já tivessem vivido – e a tudo soubessem -, mas que nada desejassem, nem deslumbrassem. Não éramos, contrario sensu, assim: tínhamos em mente um projeto simples e miraculoso; iríamos, pois, tirar peixes d’água. Seríamos, porém, como atirados sem arma, devido a nossa ausência de sensibilidade para com o deus Mar. Avante, pescador! Ouvi isso como que sem ouvir, devido ao meu estado longo de abstração. Minha vara, jogada como um núncio ao mar, lá ficava: não se mexia, não falava, não anunciava; não tinha, talvez, utilidade. Mas, falo com precisão, isso foi por pouco tempo. Quando se menos espera, cavalheiro das águas, as coisas não acontecem. Num súbito momento de apreensão, diante da vara de pescar, senti fisgar algo. É um peixe, Diego! Gritei com a eloqüência dos filósofos. Ao sentir o coração disparar (ó doce momento eterno), foi ai que entendi a necessidade de segundos em troca de meros momentos casuais. Fica-se ali, por longo tempo, sendo nada, e, num loquaz momento, dispara-se o coração. Convertem-se, nesse exato segundo, todos os minutos ociosos, de frente ao mar, em um segundo-hora eterno, que vale por cada momento esperado, por cada segundo desajeitado (lembre-se, somos maus pescadores), por cada desespero ao se achar que se pescou, mas era somente uma alga. Em meio a essa efusão, deixei a linha escapar. Acreditem, amigos, a linha escapou! Diego não acreditou no que seus olhos falavam, e conteve-se. Foi, então, a vez desse grande mestre (verão o porquê) lançar o anzol ao mar. Numa tentativa frustrada – atentem para o que isso quer dizer – foi que meu nobre amigo falou: Não pesquei nada, exceto sua linha (olhem como ele irá se enganar terrivelmente com esse “nada” e com esse “exceto”). Peguei minha anacrônica linha de volta. Puxei-a. No fim dela (adivinhem?) estava o peixe que eu pesquei e não pesquei, e terminei por pescar. Lá estava ele! Desconfortável, cansado, a espera do golpe final; eu, do outro lado, com o meu pequeno troféu insignificante, que valia mais que qualquer peixe enorme, comprado ou devorado. Ao chegar em casa, ainda ouvi: você deveria lá o ter deixado. Acreditam? O peixe, meu peixe; o troféu, meu troféu, lá deixado. É demasiado complexo para a cabeça de um simples pescador. Até mais.