DIANTE DO ABISMO, MELHOR É NÃO OLHAR PRA BAIXO!
Muito difícil, senão impossível , compreender as razões dos outros, aquelas cuja gestação foge ao nosso alcance, o que acontece noventa e nove vírgula nove por cento das vezes. Somos caixas de mistérios uns para os outros, uma vez que aquele que "somos" já é um tanto inacessível para nossa própria avaliação, imaginem para a compreensão de quem está em outro corpo. Temos sensações, momentos, vontades, raivas, paixões, mas tudo isso junto mais parece um quadro de arte abstrata, algo que se olhado de cabeça pra baixo não fará muita diferença, pelo menos para a grande legião de leigos em autoconhecimento.
Estou a fazer considerações em forma de comer pelas beiradas pra chegar a um fato que entre tantos que ocorrem nos contatos entre os seres, aparece na nossa vida o tempo inteiro, pois o tempo inteiro estamos a desejar e muitas vezes a não obter o desejado, e desejo no sentido mais amplo é o que move as pessoas diariamente.
Sendo assim, como aceitar um não tão acabadamente negativo, um não redondo, ou carregado de espinhos, um não cortante como navalha, um não que abre um abismo diante de nós ? Como assimilar um não sem nenhuma rachadura pela qual penetrarmos,superfície intacta, bloco de concreto, um não sem compaixão, um não insinuado por silêncio, ausência, muro intransponível?
Os nãos mesmo sonoros, diretos, corajosos, sinceros, podem fazer um rombo no nosso peito, jogar-nos na sarjeta de sofrimentos inimagináveis. Batem em nosso rosto como bofetada. Ah, na verdade, dito ou subentendido, ou percebido por dedução, tal palavra tão corriqueira tem no entanto impactos muito cruéis na vida de todos nós quando significa rejeição, desprezo, falta de compaixão, indiferença, fracasso, perda...
O "nunca" é um não jogado pra longe, que
se perde pra regiões distantes. O "talvez" é um meio não, com possibilidade de se tornar inteiro. "Quem sabe", além de tudo, ajunta um pronome indefinido no lugar de alguém que pode saber a resposta, e "só Deus sabe" é a definitiva e suprema rua da amargura com sentido obrigatório.
Assim como as personagens dos folhetins açucarados constroem castelos de sonhos, nós aqui, personagens de um suposto deus de bondade, poderíamos construir milhares de condomínios de sinistras mansões com todas as negações proferidas através dos tempos, e, com as consequentes lágrimas, ornamentar parques com imensos lagos de água salgada, além de tudo energética por conter vibrações angustiantes que a geraram.
E já revelo a motivação para esta ladainha de argumentação temerária, este tratado de última hora sobre a dor das frustrações. Toda essa conversa surgiu só porque aquele imbecil NÃO atende mais o telefone, e ainda por cima descobri o quanto ele lembra o meu pai, inclusive no tom de voz, Electra feliz, deita e rola e eu me estrepo. Aí fico esperneando em ligações intermináveis, em mensagens desesperadas, imagino todo tipo de represálias pra vingança no grau adequado ao agravo doloroso. E do lado de lá, silêncio. O silêncio de uma negativa dói aos ouvidos como insuportáveis decibéis. Enquanto isso, aguardo o som da maldita palavra, ou sua imagem, vindo pra mim. FIcar sem este fecho é como ter um morto querido não sepultado, preciso desse lacre na porta que se fechou, por mais que doa. Ah, mas assim já é muito drama para uma terça-feira à tardinha, de um mês que finda, de um ano que logo passará como "passam a mão e o rio que tocaram teus cabelos"... e ainda falar em rio, agora... este já habita outra geografia... mais um pra retirar da agenda...e pensar que deslizei um dia sobre aquelas águas, ... e diante de tal abismo, melhor é não olhar pra baixo!
Queres me matar, oh de dentro? Se te pego entre o polegar e o indicador... Vai-te, oh carcereira!