A bunda do Brasil
Foi em uma sexta-feira à noite. Na verdade, era madrugada. O céu estava estrelado e por onde andávamos não havia se quer uma suspeita de barulho. O mundo ao nosso redor era ulterior, ao menos naquele instante. Segundos depois, eu já podia escutar o ronco do motor daquele veículo. Marcelo Ribeiro, meu amigo, conduzia seu Uno Mille - o qual ele apelidou carinhosamente de “Ribeiro móvel” - em uma lomba íngreme e escura. Estávamos quietos. Meu olhar seguia minuciosamente a luminosidade dos faróis. Sentando no banco do caroneiro, o silêncio acabou se perdendo dentro de mim por distração. No topo da lomba que subíamos, avistei um casal. Ele, um garoto que aparentava ter no máximo 21 anos; e ela, um pouco mais nova, talvez 17. Naquela escuridão era difícil de interpretar por completo a idade de uma pessoa pela sua forma física. Ainda mais de um carro em movimento. Contudo, o que havia prendido minha atenção foi a localização da palma da mão direita do sujeito que acompanhava a garota. Da forma mais natural possível, ao perceber a luz dos faróis em suas costas, o rapaz aconchegou sua mão na nádega da menina, quase como um encaixe perfeito. A cena foi tão apelativa que os comentários eram inevitáveis.
- Tu viu aquilo? – perguntou Marcelo, rindo. Respondi que sim. Mas não me alonguei muito. O fato me fez lembrar de Paris. Explico: lá as mulheres possuem formas, obviamente, diferentes das brasileiras. Quando cheguei à França, em fevereiro deste ano, me encantei com arquitetura, com a história e principalmente com as pessoas (não com todas, é claro). A beleza deles é dessemelhante. Especificamente, a mulher francesa, apresenta um charme inalienável. Elas nem sempre são muito altas (como muita gente imagina), porém, na maioria das vezes elegantes, com uma passada e uma postura fina, calma, correta – exceto quando se trata em pegar metrô. Na França, as curvas das mulheres me parecem mais delineadas, embora tenhamos mulheres de encantos comparáveis por aqui. Mas a bunda delas, acredite, é algo normal. Nem pequena, nem grande. Apenas normal. É claro que falo de maneira genérica, sabendo ainda da cultura e hábitos locais quando o assunto é analisar nádegas.
Em Londres, enquanto pegava o elevador para acessar a estação de metrô, notei que estava acompanhado de duas belas garotas. As inglesas também possuem um diferencial mágico no que diz respeito às curvas do corpo. E as bundas... bom, são normais. Após um certo período de análise, refleti por que estava reparando nesse detalhe corporal. A verdade é que no Brasil somos consumidores de outros produtos. Quem pensa se tratar de um consumo estritamente masculino, por favor, pare de mentir para si mesmo. Em país onde mulheres frutas são eleitas as “mais gostosas do ano”, o que podemos alegar? Nossa tropicalidade ultrapassa barreiras, sem refutar a idéia de ascendência nudista. Nas últimas décadas tivemos muitas transformações sociais, muitas revoluções comportamentais. Lembro de programas de televisão que mostravam mulheres semi-nuas procurando por sabonetes em banheiras rasas. Outros realizavam desfiles de “trajes de verão” em pleno outono onde a roupa das voluptuosas mulheres era o último tecido em evidência.
Crescemos alimentando o consumo por bundas, por novos tratamentos estéticos, por novas formas de exibir o corpo. A pobre da celulite – o que eu sempre achei tão natural em mulheres de verdade - nunca foi tão alvejada. Nossos parâmetros de beleza são completamente mutáveis. Daí o reflexo naquilo que queremos consumir. Daí o surgimento de relacionamentos superficias e rótulos, pré-conceitos hipócritas. No entanto, quero deixar bem claro que não sou contra a liberdade exibicionista de ninguém, tampouco contra a vaidade de pessoas que prezam bela boa forma. O que me incomoda realmente é a falta de racionalidade. Às vezes somos muitas bundas para poucos cérebros.
O rapaz que encaixava sua mão na nádega de sua companheira, que concebia o ato sem dar importância, apenas seguia uma linhagem, os instintos da bunda do Brasil. Quiçá, para ele, aquela fosse a sua mulher melancia.