– Chuva, nos’sinhor!
- Chuva, Noss’sinhor!
Era com esta expressão que eu ouvia minha avó saudar aquilo que mais traz alegria ao cearense. Uma forma de exaltação, de alegria, de agradecimento e também de louvação ao criador por conceder a maior graça que o sertanejo pode desejar: um bom e farto inverno. Há dois meses nesta coluna eu falava do medo de 2008 vir a ser uma seca. Hoje, já temos outro quadro com chuvas torrenciais, com açudes sangrando. Em breve teremos o feijão e o milho verde, o queijo e a coalhada, o jerimum, o maxixe. É claro, se a plantação for bem cuidada e não entregue ao Pai-luís. Os açudes abundarão em carás, piabas, curimatãs, traíras e outros peixes. Enfim, são inúmeros os motivos para o sertanejo se alegrar com o inverno, razão pela qual a interjeição de minha avó soa muito bem na boca e no ouvido de qualquer cearense: – Chuva, noss’sinhor!
Esta louvação também traz em si uma preocupação com os excessos das grandes precipitações. Vi muitas vezes meu avô fazendo as contas dos prejuízos com as grandes cheias. Plantações eram devastadas, derrubadas e arrastadas pelas enchentes, cercas destruídas tinham que ser refeitas imediatamente para evitar a invasão de animais que pastam a solta. Bodes, cabras e cabritos morriam ou eram levados pelas enchentes dos riachos subtraindo em muito o plantel. Lembro de quando tinha doze anos, num mês de abril, andei quase um dia todo com meu avô nas matas do Garrotim a procura de criações desaparecidas. Lembro que portávamos um spray azul para matar bicheiras e que ele me pedia para apurar o ouvido para identificar bem o som dos chocalhos.
Hoje, tomei conhecimento de que um pequeno deslizamento na serra de Santa Rita já trouxe problemas para algumas famílias nos bairros São Francisco e Mourão, ruas e casas já foram inundadas. Soube também de um boato de que um homem havia desaparecido na enxurrada. Sei que naquela interjeição de minha avó – “Chuva, noss’sinhor!” - havia embutida uma prece de que aquelas fossem chuvas abundantes, porém, abençoadas.
Tem mais, muitas vezes ouvi minha avó se perguntar em sua sabedoria: - Meu Deus, tanta chuva, quando será que vai faltar?
Conto estas recordações não só pela saudade, mas para afirmar que aquela sabedoria de meus avós e de todos os avós é o que nos falta hoje. As pessoas estão duvidando do inverno como também da seca. Por um lado permite-se o desmatamento desenfreado, até das serras, por outro se faz casas nas ladeiras e nas margens dos riachos.
Não sei quando será o dia em que poderemos dizer estendendo os braços para a chuva que cai: – Chuva, noss’sinhor! Preparamo-nos para este momento. Nossa terra de cultivo está preparada com cobertura morta e adubo orgânico, esperando; as serras e os sertões estão reflorestados para receber e reter o líquido precioso que tu nos manda; as barragens convencionais e subterrâneas estão ok; as cisternas estão limpas e bem teladas, os nossos animais, todos vacinados, estão nos seus cercados e estábulos comendo o que ainda temos do feno que produzimos no inverno passado, as sementes que nós mesmos produzimos com a genética que herdamos estão guardadas esperando a hora do plantio.
– Chuva, noss’sinhor! Estamos confiantes. Nossas casas estão todas fora do alcance de cheias ou deslizamentos. Votamos e escolhemos representantes que nos orientaram e nos proporcionaram importantes e bem estruturados projetos habitacionais que respeitam a natureza e o meio ambiente. Nosso lixo está todo sendo reciclado. O esgoto está sendo tratado de maneira correta sem poluir a natureza nem os mananciais.
– Chuva, noss’sinhor! Estamos confiantes, embora não saibamos quanto tempo durará a próxima seca. – Chuva, noss’sinhor!
(*) Professor das redes municipal e estadual de ensino. E-mail: valdenirlcruz@yahoo.com.br