Decisão no meio da noite
Decisão no meio da noite
Os pingos de chuva caíam gelados, o guarda chuva não era suficiente pras duas. Mãe e filha continuavam ali paradas, na calçada da rua, um silencio profundo tomavam as palavras suas, em plena madrugada. O tempo passava lentamente, como se fizesse parceria com aquela miséria que era aquela situação. A mãe, uma senhora na casa dos 40 anos, demonstrava ser jovem ainda, quem a visse ali, daquele jeito, nunca iria acreditar, pois não transparecia o que realmente era sua vida particular. Era uma mulher de fibra, valente, lutadora, defensora de quem precisasse, uma desbravadora de dificuldades, conquistava todos os seus intentos, (geralmente em prol dos outros, mas não conseguia cuspir aquele caroço da sua vida). Ao longo desses quarenta anos vivera quase tudo que jamais pensara viver: se casara com um homem divorciado (e rimava muito bem com enrolado, complicado, abestado...etc) casando com todo tipo de problemas, fundou uma família em bases in-sólidas de mil brigas por dia. A família era linda e ela fazia de tudo para alimentá-la da melhor forma possível , não somente de comida mas, juntava todas as boas informações que podia e era uma luta feroz contra o ‘’bronco’’ do marido que , geralmente desfazia quase tudo que ela tão bem articulava. A sorte que seus filhos tinham boa índole, e ao passar dos anos aprendiam mais com a mãe do que com o pai. Eram respeitadores, inteligentes e aplicavam isso na escola, sendo os primeiros em desenvolvimento. Ela era professora (que rima, ela dizia, com sofredora, e deixava se martirizar pelo ato impensado de anos atrás quando se juntara com aquela cruz) Fazia milagres com seu parco salário, dava aulas particulares para melhorar o orçamento e o milagre crescia. Era religiosa e mantinha os filhos nesse caminho, que faziam com gosto o gosto da mãe.
A chuva engrossava e a filha se encostava nela para se livrar dos grossos e gélidos pingos que molhavam suas costas, despertando daquele momento de recordações. Agasalhou-se a filha e continuou seus devaneios, desta vez, olhando-a com muito carinho e pena que lhe doía por dentro, uma dor aguda que remédio nenhum curava .
A moça era linda nos seus quase 18 anos, era a sua guarda costas, sua consciência , sua companheira por mais que discutissem muito, quando algo não ficava de acordo ao que a garota queria. Era uma menina mimada, orgulhosa, vaidosa, mas muito fiel , defensora dela naqueles momentos. Nunca teve a saúde boa, pensou, tão cedo( no primeiro mês de vida) contraíra uma doença que crescera com ela, causando dissabores imensos a todos, uma insuficiência nas atividades cerebrais, ninguém descobria se não dissessem, apenas quando acontecia a ‘’gota d’agua’’ e ela tinha fortes convulsões. Os outros filhos já se foram, todos cresceram, buscaram outros horizontes ...até já dera netos !
A moça ensaiou um gemido e seus cabelos longos e perfumados encostaram em seu rosto ( era de estatura baixa, menor que sua filha, ela saíra ao pai), esse pensamento nublou de vez seu semblante e se lembrou da outra noite em que tiveram de ir dormir na casa da sua mãe por terem sido postas pra fora em plena 01:00 hora da madrugada. Sua respiração acelerou e seu coração desandou a sair do ritmo...’’preciso tomar uma atitude, isso não pode ficar assim’’...como que ouvindo os pensamentos da mãe a garota diz: ‘’ mãe, o que a senhora decidir eu topo.’’ Ela olhou pra filha, uma vontade enorme de chorar, misturada a de abraçá-la ali e pedir que Deus as levasse pra um lugar melhor, ‘’mas claro que não, não sou de desistir, ainda não...’’ ajeitou sua bolsa junto ao corpo e lembrou da casa que estava alugando pra sair dali com sua filha. Sua cabeça estava prestes a um colapso, ‘’...mas calma Dona, ainda não é o momento, você tem muito a fazer nesta vida ‘’.
Duas horas haviam se passado, duas longas horas tomando chuva na rua, sem querer bater de novo em casa de ninguém aquela hora da noite ( madrugada já) . Seu corpo doía, não adiantava ficar trocando de pé para aliviar aquele peso, pois não era só cansaço físico, nem banho as duas haviam tomado, o suor misturava com a chuva e o silencio da filha pesava ainda mais com aquele gemido que cortara feito navalha afiada seu orgulho e amor próprio...a fome roía-lhe as entranhas sentindo apenas quando ouvira o ronco vindo do estomago da filha, estavam cansadas e com fome...e aquilo se repetia...
E ali, naquele momento, tomara a grande decisão : ''não nos mudaremos, não sairemos daqui, afinal é nossa casa, nosso lar, ele que saia, ele que se mude...e não seremos mais postas pra fora, no meio da noite, debaixo de chuva.’’
A filha suspirou e, aliviada, entrou em casa com sua mãe, e dele nem sombra havia por ali, roncava profundamente no aconchego do quarto. Era a última noite dele ali, era a ultima vez de humilhação das duas.
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* Minha solidariedade a todas as mulheres que sofrem com um marido ruim e não tem coragem de tomar a decisão melhor...esses tipos nunca mudam, infelizmente.
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Beijos e carinhos...sempre !