Licor de Jenipapo
Quando meu tio, depois de muito tempo afastado da família, avisou que viria nos visitar, seus parentes resolveram fazer uma festa para recebê-lo. Meu avô mandou pintar a casa, os irmãos encomendaram as carnes para o churrasco e minha mãe, sua cunhada, fez um licor de jenipapo, bebida que ele muito apreciava. Para isso, ela apanhou no quintal da nossa casa as frutas de que precisava e em poucos dias o licor estava pronto. Depois, encheu algumas garrafas e as escondeu no seu quarto, sempre com a recomendação de que ninguém mexesse.
Numa tarde, estando sozinho em casa, fui levado pela curiosidade a procurar no quarto as garrafas com o tal licor. Depois de espionar debaixo da cama, dentro das gavetas da cômoda, as encontrei escondidas no fundo do guarda-roupa. Peguei uma e tentei abrir. A rolha cedeu-se aos meus dedos e saiu emitindo um som rouco. Havia um liquido amarelo que imediatamente exalou um aroma inebriante que me envolveu. Não resisti. Sem demora ergui a garrafa com cuidado, pois minhas mãos tremiam, tomei um gole e depois outro. Tinha um gosto muito bom, bem melhor do que o cheiro. Por um instante, pensei no castigo que sofreria se fosse encontrado ali, tomando a bebida. E antes de tampá-la, impulsivamente, ergui a garrafa, mais uma vez e deixei escorrer pela garganta mais um gole daquele delicioso líquido. De repente, senti-me tonto. Com medo saí, apressadamente.
Mas o gosto da bebida, como um demônio, tentava-me e me instigava a voltar ao quarto. A atração por aquela bebida tornou-se de tal maneira irresistível, que eu não arredava mais o pé de casa, esperando uma oportunidade para voltar ao quarto e provar mais uma vez daquele delicioso licor. Voltei lá várias vezes e de gole em gole acabei deixando uma das garrafas quase vazia.
Minha mãe notou que alguém andava mexendo nas suas garrafas e ficou calada. Estrategiacamente se preparando para pegar o transgressor e dar-lhe um corretivo, uma surra. Confesso que fiquei com medo e pensei até em parar com aquilo. Tinha certeza de que minha mãe, a partir do momento que descobrisse a minha traquinagem, ficaria de olho e me pegaria com a boca na botija. portanto, qualquer vacilo meu seria fatal.
Desta forma, eu poderia ter-me corrigido ou ao menos ter tomado mais cuidado. Mas o licor havia se transformado em um vício e cegamente eu corria para ele, todas as vezes que ficava sozinho em casa.
Numa tarde, depois de certificar que não havia ninguém, dirigi-me, tranqüilamente, ao quarto para mais uma vez saborear aquela bebida deliciosa. Entrei no quarto. As garrafas estavam lá, seu líquido amarelo me convidando para mais um gole. Peguei a garrafa. No entanto, antes que pudesse abri-la, minha mãe entrou e me pegou pelo braço, dizendo:
- Até que enfim, te peguei moleque atrevido!
Desesperado, tentei fugir. Mas era tarde. Ela segurou-me firme. Apavorado, as pernas tremendo, com a certeza da surra inevitável.
- Isto é para você aprender a não mexer nas coisas alheias.
E o chicote cantou firme nas minhas pernas e bunda.