DE MANIAS E LOUCURAS – PARTE III

Continuo, esta semana, a contar a minha viagem à capital, junto com um colega professor. Como descrevi, na crônica passada, eu fui acordado, no meio da noite, pelo caro colega, simplesmente porque eu estava roncando e ele achou que eu estava tendo um ataque cardíaco.

No dia seguinte, uma quarta-feira, logo cedinho, eu me levantei. A primeira coisa que fiz foi olhar para a cama do meu parceiro de quarto. Ele continuava dormindo. Sem roncar. Observei que, em cima de um beliche – onde estava a sua mala – havia um saco vazio, provavelmente, de algum tipo de bolacha. Tentei me lembrar se tinha ouvido barulho de boca mastigando, durante a noite, mas não consegui.

Aproveitei o silêncio do dia, que ainda ia nascendo, para fazer a barba, tomar banho e me vestir, adequadamente, para o dia de treinamento. Em seguida, chamei-o.

- Bom dia! Está na hora. Precisamos correr, pois a aula começa as oito - disse num tom de voz suave que era para não causar nenhum distúrbio no metabolismo do prezado companheiro.

- Bom dia, Raimundo, respondeu ele, se espreguiçando.

Lá, da janela do quarto, eu o observava. Ele, ao levantar-se, já foi direto para o estoque medicinal. Meteu a mão, revirou, olhou detalhadamente duas caixas e, em seguida, tomou um comprimido de cada uma delas (o copo cheio de água que havia levado para o quarto tinha mesmo serventia. Detalhe: só havia um pouco mais de dois dedos de água nele). Em seguida, ele olhou para mim e perguntou:
- Será que vai dar para eu tirar a barba?

Boa pergunta, respondi. Mas, vai depender de você. Se você quiser, dá (até que eu entendi a pergunta, pois vi a preocupação estampada naquele rosto de barba por fazer, digamos, uns cinco dias).

Esperei, tocando um pouco de violão, que ele voltasse, terminasse de se arrumar para, juntos, descermos para o café.

Ao entrarmos no refeitório, saudei a todos que lá se encontravam. Adivinha onde foi que meu parceiro sentou-se? Claro! Na mesa onde se encontrava a senhora que ia se consultar e que propiciou, para todos nós, aulas de química e ciências.

Enquanto eu tratava de “forrar o bucho”, sem perder a oportunidade de apreciar (nem deixar de mastigar o que estava na minha frente) a troca de informações entre eles.

- "Me dê licença" um instante, disse ela. Preciso tomar um comprimido no meio das refeições. Você não toma? Ela olhou para ele com uma cara de espanto como se não tomar um comprimido durante o café fosse o maior absurdo do mundo.

Olhei para o meu colega. Esperei uma reação, tipo: eu não! Não preciso (eu pelo menos diria isso), mas para me fazer morder a língua, o distinto levantou-se, em cima da “bucha,” já com dois comprimidos na mão e uma cara de vitorioso, como se tivesse ganhado o prêmio da Mega-Sena.

- Claro que tomo! E logo dois, disse exibindo-os.

Era espantoso! A caixinha que ele tirou do bolso, quando abriu-a, tinha vários compartimentos e, em todos eles, vários comprimidos diferentes. Devia ser, pensei, aquela escalação diária que ele costumava levar a campo.

Terminamos o café e voltamos para o quarto para escovar os dentes, dar o último retoque na “lataria” e pegar as ferramentas para a aula. Novamente, eu fiquei observando o meu sócio de aventuras. Ele fez a assepsia bucal e, em seguida, pegou um frasco – desses que se compra em farmácias e que servem para gargarejar – e passou a fazê-lo, mas sempre olhando para o relógio. Fiquei intrigado. Não me aguentei e perguntei-lhe:

- Meu irmão, até que eu concordo que se deva fazer isso, mas olhando para o relógio eu nunca tinha visto!

- É uma técnica que desenvolvi. São dois minutos para cada “bochechada”. Menos do que isso é jogar fora o produto, respondeu assim que deu os dois minutos previstos.

Dei de ombros. Melhor nem perguntar o que aconteceria se o “bochechador” passasse de dois minutos.

Na saída, para não perder o costume, o metódico professor passou pelo gelágua, colocou água em um copo e passou para dentro um comprimidinho. Quando percebeu que eu o olhava, defendeu-se:

- É apenas um comprimido para evitar prisão de ventre. Tenho problemas nesse sentido.

Fiquei calado depois dessa. Finalmente, saímos em direção ao Centro de Treinamento. No caminho, enquanto eu me concentrava no trânsito, o nobre carona aproveitou para botar na boca uma pastilhazinha. Antes que eu perguntasse o que era, já me esclareceu:

- É magnésia bisurada. É para evitar de ter azia, queimação ou uma dor estomacal. Comi muito no café...



 

Obs. Imagem da internet

Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 29/03/2009
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1512626
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.