LINHA CRUZADA
Sei que não foi elegante nem correto de minha parte não ter desligado o telefone quando me deparei com uma linha cruzada, mas ando numa “Comedy of Errors” de fazer inveja a criatividade de Shakespeare. Mas o que ouvi foi pathetic. A conversa rolava entre dois seres, tratavam de suas intimidades, de seus próprios sentimentos, dos seus desacertos e dos seus desamores e pelo que pude perceber havia um certo antagonismo entre o sentir dos dois. O ser masculino, pelo tom de voz deixava passar uma frieza desconcertante e bem poderia representar o “não te quero”. O outro ser, o feminino, com certeza, seria “o porque te quero”. E eu lá de ouvido colado. O ser masculino suspirou impaciente e resmungou qualquer coisa. Houve um silêncio, que eu, com vergonha de mim mesma, aproveitei para cuidadosamente colocar o fone no gancho. Levantei-me da cadeira onde estava e me dirigi até a cama, deitei-me, coloquei os braços sob a minha cabeça e comecei a imaginar como seriam fisicamente “não te quero” e “porque te quero”... seriam jovens ou não? Namorados, noivos, casados...? Teriam condições de fazerem as pazes? Essa “escuta cladestina” me fez lembrar um texto interessante que li outro dia na Internet e que vou transcrever, omitindo o crédito por não saber quem é o autor; também retrata o fim de um amor e o título é “Não te quero querer mais”. É o que se segue:
Preciso que me ajudes a esquecer-te, que ponhas mãos à obra, que faças qualquer coisa que se veja. Preciso que pegues no batente, que te esforces um bocadinho, que dês à manivela, que carregues no botão, porque é imperioso esquecer-te. Diz-me que sou feia, que estou velha, que sou tola; diz-me que é ridículo, este amor enganado, impossível, desnecessário, incómodo, que já dura muito para lá do que é aceitável. Atira-me com todo o desprezo que tens à cara, toma balanço, como se uma tarte de natas num filme mudo; deita-me a língua de fora, vira-me as costas, escarnece. Por favor, escarnece. Diz-me que sou absurda, desmesurada, desregulada, que não tens paciência, que estou doida. Encolhe os ombros com enfado, isso, assim. Repete que não me queres ver, ri-te, com pena, encharca-me de pena, olha-me como se eu um cachorro abandonado, que é o que sou. Enxota-me, repete, paternalmente, com asquerosa condescendência, que já não tenho idade, que são coisas de miúda, que devia ter juízo, que não tens tempo nem condições para atentares nos meus desejos vãos de louca varrida. Manda-me passear, bugiar, dar uma volta ao bilhar grande, ver se estás na esquina, que me dás um tiro. Diz-me que te maço, que não me queres por perto, que talvez uma providência cautelar. Manda-me correr para a esquina, que eu irei. Manda-me, que eu irei. Ajuda-me a esquecer-te, que não estou de todo preparada para te amar até ao fim dos meus dias, que grande chatice me foste arranjar, agora, resolve-a, faz qualquer coisa, ajuda-me a esquecer-te.