Tio me dá uma moeda
- Ô tio me dá um trocado?
Em plena segunda feira de manhã, a caminho do trabalho, sou abordado por um menino de rua. A princípio não estranhei aquela “interjeição”, ainda mais que sou “tio” de quatro lindas meninas. Mesmo assim, decidi castigar o garoto por tamanho desaforo, no auge de meus trinta e dois anos, sendo chamado de “coroa”.
Lembrei-me que quando menino e queria chamar alguém mais velho, sempre usávamos tal expressão.
- Hoje não tenho. Deixe para próxima.
Retruquei em tom meio-amargo. Notei certo ar de desprezo ou indiferença em seu olhar e assim que o farol abriu, gesticulou com os ombros como se fosse apenas mais um não que haveria de receber durante seu dia-a-dia.
Mediante as adversidades do trabalho, esqueci-me do garoto e do “tio” que seria mais velho que imaginava, certamente não seria mais um mocinho, lá pelos meus dezenove ou vinte anos, mas também nenhum coroa. Enfim, apagara-se a imagem daquele desaforado.
Ao retornar para casa, sintonizei à nova Brasil FM. Sim. Lá toca muito MPB e músicas que relembram minha juventude. Legião. Ultraje. Ira. Djavan. Engenheiros. Jorge Ben. Paralamas. Titãs. Biquíni e outros tantos. Cantarolava aqueles “rits”, feliz por entender aquilo que se canta. Pensando bem, não entendo de “funk” e “axé”. Não lembro nenhum um trechinho para assobiar. Coisas que tá no sangue da moçada de hoje em dia.
Chego ao condomínio e atravesso um longo trecho do estacionamento até o prédio, logo noto um grupo de garotos eufóricos correndo atrás de uma bola dentro da quadra que temos no residencial.
Rapidamente me vejo entre eles. Menino franzino, hoje com cento e dois quilos. Chamavam-me de alemão. Tinha cabelos amarelos e algumas sardas no rosto, agora sumiram as sardas e parte dos cabelos.
De repente um dos moleques enfia o pé na bola, esse se parecia comigo; era quase trágico no futebol, quase porque vez ou outra havia o imprevisível e fazia algum gol.
Percebo que a bola vem em minha direção, domino e tento dar umas embaixadinhas. Logo escuto o coro.
- Ô tio! Chuta logo a bola.
Outro berra.
- Vamos tiozinho. Você não sabe mais brincar com isso.
Enfureço-me. Instantaneamente bato com os pés na bola em direção a quadra e percebo as carinhas de ironia desaforada. Surge o menino do farol em minha frente.
- Ô tio me dá uma moeda?
Certamente não houvera sátira naquele “tio” como imaginei tamanha maldade. Simplesmente já não sou mais aquele menino lá dos dezenove ou vinte, tampouco o de vinte e quatro ou vinte e cinco, o tempo com suas ações erosivas, deixara-me mais velho que pensava ou sabia.
Frustrações. Desilusões. Fantasias. Quantas peças o destino apregoou durante essas três décadas de vida. Mais teve também as conquistas. Algumas realizações que me custaram noites e pernoites. Com muita batalha e força de vontade, isso possivelmente contribuirá para o desgaste de minha “imagem”. A verdade é que não aceitei que envelhecera e esqueci de olhar-me ao espelho.
Quanto ao menino? Na próxima vez que encontra-lo, o “tio” lhe dará uma moeda.
- Ô tio me dá um trocado?
Em plena segunda feira de manhã, a caminho do trabalho, sou abordado por um menino de rua. A princípio não estranhei aquela “interjeição”, ainda mais que sou “tio” de quatro lindas meninas. Mesmo assim, decidi castigar o garoto por tamanho desaforo, no auge de meus trinta e dois anos, sendo chamado de “coroa”.
Lembrei-me que quando menino e queria chamar alguém mais velho, sempre usávamos tal expressão.
- Hoje não tenho. Deixe para próxima.
Retruquei em tom meio-amargo. Notei certo ar de desprezo ou indiferença em seu olhar e assim que o farol abriu, gesticulou com os ombros como se fosse apenas mais um não que haveria de receber durante seu dia-a-dia.
Mediante as adversidades do trabalho, esqueci-me do garoto e do “tio” que seria mais velho que imaginava, certamente não seria mais um mocinho, lá pelos meus dezenove ou vinte anos, mas também nenhum coroa. Enfim, apagara-se a imagem daquele desaforado.
Ao retornar para casa, sintonizei à nova Brasil FM. Sim. Lá toca muito MPB e músicas que relembram minha juventude. Legião. Ultraje. Ira. Djavan. Engenheiros. Jorge Ben. Paralamas. Titãs. Biquíni e outros tantos. Cantarolava aqueles “rits”, feliz por entender aquilo que se canta. Pensando bem, não entendo de “funk” e “axé”. Não lembro nenhum um trechinho para assobiar. Coisas que tá no sangue da moçada de hoje em dia.
Chego ao condomínio e atravesso um longo trecho do estacionamento até o prédio, logo noto um grupo de garotos eufóricos correndo atrás de uma bola dentro da quadra que temos no residencial.
Rapidamente me vejo entre eles. Menino franzino, hoje com cento e dois quilos. Chamavam-me de alemão. Tinha cabelos amarelos e algumas sardas no rosto, agora sumiram as sardas e parte dos cabelos.
De repente um dos moleques enfia o pé na bola, esse se parecia comigo; era quase trágico no futebol, quase porque vez ou outra havia o imprevisível e fazia algum gol.
Percebo que a bola vem em minha direção, domino e tento dar umas embaixadinhas. Logo escuto o coro.
- Ô tio! Chuta logo a bola.
Outro berra.
- Vamos tiozinho. Você não sabe mais brincar com isso.
Enfureço-me. Instantaneamente bato com os pés na bola em direção a quadra e percebo as carinhas de ironia desaforada. Surge o menino do farol em minha frente.
- Ô tio me dá uma moeda?
Certamente não houvera sátira naquele “tio” como imaginei tamanha maldade. Simplesmente já não sou mais aquele menino lá dos dezenove ou vinte, tampouco o de vinte e quatro ou vinte e cinco, o tempo com suas ações erosivas, deixara-me mais velho que pensava ou sabia.
Frustrações. Desilusões. Fantasias. Quantas peças o destino apregoou durante essas três décadas de vida. Mais teve também as conquistas. Algumas realizações que me custaram noites e pernoites. Com muita batalha e força de vontade, isso possivelmente contribuirá para o desgaste de minha “imagem”. A verdade é que não aceitei que envelhecera e esqueci de olhar-me ao espelho.
Quanto ao menino? Na próxima vez que encontra-lo, o “tio” lhe dará uma moeda.