Os seus vieram lhe buscar
Sou filha adotiva.A família que me abriu os braços era composta por um casal com dois filhos: um com quinze anos, a mais velha com quase dezenove.
Com três anos tornei-me tia pela primeira vez; com nove, pela terceira. Esse meu terceiro sobrinho, tinha os cabelos negros e lisos quando era pequeno e os olhos levemente puxados.Muitos perguntavam se o marido de minha irmã era oriental.
Seus irmãos e eu vivíamos atazanando-o devido essa semelhança física. Nós o tratávamos por “japonês” e dizíamos que os pais dele apareceriam dia menos dia para buscá-lo.Ele chorava, tinha uns três aninhos, coitadinho.O ano era 1988.
Uma tarde, bateram a campainha.Era um vendedor.O fato poderia ter passado despercebido se o homem não tivesse cabelos tão negros e olhos tão puxados.Teria passado despercebido se meu sobrinho não o tivesse visto.Mas viu.Grudou-se às pernas da minha irmã e gritava: “eu não quero ir, não quero ir, me salva, mamãe” Só se acalmou quando o vendedor foi embora.O apelido perdeu-se no tempo, não tínhamos mais coragem de tratá-lo assim depois que vimos o pavor dele estampado no rosto.
Em janeiro de 2007, três mulheres bateram a campainha.Meu sobrinho que mora com a mãe e o irmão ( a mais velha casou e o pai faleceu) numa casa nos fundos da residência da minha mãe, foi atender.
Horas depois, meu pai me ligou.Havia visitas para mim e me aguardavam na casa dele. Ao chegar e saber do que se tratava, desmaiei minutos depois, pela primeira vez na vida aos trinta anos de idade.Eram duas irmãs biológicas e uma tia que procuravam por mim há anos.Foram os primeiros parentes de sangue que eu conheci.
Passado o susto, fotos tiradas, histórias contadas, vi que meu sobrinho de vinte e um anos, olhava toda a movimentação calado, com um riso contido no rosto.
Ao passar perto dele, num corredor, ele me puxou pelo braço e disse rindo:
-E aí, neguinha, perdeu.Os seus vieram lhe buscar.
(Maria Fernandes Shu – 28 de março de 2009)