CONVIDE A MORTE PARA DANÇAR...

Neste momento você está dançando no baile mais espetacular desde a criação do mundo. Eis que sentado próximo à sua mesa alguém o observa envolto no mais completo mistério. A julgar o que deixa passar pelo manto que o cobre, sua beleza é completo êxtase e agonia. Êxtase pelo enigma do olhar, agonia porque você teme o desconhecido. O deleite desta cena é tão profundo que você sequer ousa arriscar partir para um convite que o torne próximo daquela Dama. Seu perfume é envolvente e ameaçador, cítrico e doce com leves toques de escuridão e luz. Ramón Y Cajal (histologista espanhol) estava neste mesmo baile e ao convidar a misteriosa e excitante Dama desistiu ao ouvir sua voz macia falando uma língua incompreensível - não falava outro idioma - tal voz não poderia ser ouvida, era uma vibração que só a alma era capaz de decifrar. Ramón, gélido e quase petrificado, ao afastar-se de sua pretendente, sentou-se à mesa no lado mais escuro do baile, pediu o melhor vinho espanhol e após longa reflexão tétrica murmurou: “O mais terrível desta Dama é a sua eternidade. Tudo no mundo é efêmero, menos ela.”
Pierre Corneille, poeta trágico e discípulo de Ésquilo também estava no baile e sentindo-se tão invadido pelos sentimentos que aquela Dama causava, confessou ao célebre Molière: “A cada instante desta música que toca, desta emoção que me invade eu dou um passo para ela”…

Quem se esconderá por detrás daquele manto cor de carne, cheia de tanto glamour, desconhecida, ignorada e por nossa vontade torturadora? “Ah! Seu olhar que parece saber mais sobre mim do que eu mesmo. Quem é meu Deus, quem é esta Dama que dia e noite não para de olhar para mim?” Quantas vezes seu inconsciente já não disse tais palavras?

Ânimo meu caro, levante-se, faça uma linha reta imaginária, respire fundo, convide esta ilustre e sempre jovem Dama pra dançar. Sentirá muito medo ao ouvi-la pronunciar: “Muito prazer, meu nome é Morte”. Resista às suas ficções sobre o que ela te inspira… toque-a com a mesma intensidade, acaricie-a e irá descobrir que ela é apenas uma mensageira que no final, quando o sopro divino deixar o corpo, o levará para o lugar que você mesmo construiu durante todos os seus atos de vida.

Convide a morte para dançar todos os dias neste baile que é a vida - e mesmo quando não tocar a sua música preferida não deixe de prestigiá-lo, afinal ele só é espetacular porque existem muitos estilos. Cultue o respeito, a dedicação, o perdão, a linda e inebriante humildade de reconhecer seus defeitos, a magia de abraçar com o coração cada dia, seja ele de sol ou de chuva, a alegre experiência de descobrir que por mais sujo que esteja o mar, sempre, sempre e sempre existe uma pérola. Chore, dê boas gargalhadas e ouvirá da sua odiada morte as mesmas palavras de Roberto Freire: “Ame e dê Vexame”. Assim aquele manto a cobrir sua bela e futura mensageira, pouco-a-pouco revelará um rico poço de conhecimento sobre a vida.

J. Herculano Pires (de quem extrai os mais sofisticados e amorosos conhecimentos sobre a morte) ao dançar toda a sua vida com nossa mensageira deixou este baile com um pensamento a que considero definitivo e belo sobre a experiência com nossa morte de cada dia: “A educação para a morte não é nenhuma forma de preparação religiosa para a conquista do Céu. É um processo educacional que tende ajustar os educandos à realidade da vida, que não consiste apenas no viver, mas também no existir e transcender. A morte e a vida constituem os limites da existência. Entre o primeiro grito da criança ao nascer e o último suspiro do velho ao morrer, temos a consciência do ser e do seu destino.”

Mais uma música toca… seja impecável nos seus passos - sua mensageira é uma exímia dançarina, por isso mesmo bela e eficiente…. com um infalível senso de justiça. Quando a música acabar não será sinal de que o baile acabou, este continuará em outras dimensões, e certamente sua odiada, agora amada morte perguntará: “Vamos?” “Vamos para onde?”, responderá você inquieto. Bem… vai depender qual convite você comprou para nós durante todos estes anos de namoro. Curiosamente… foi para um baile de risos ou de lágrimas?


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