OS ESCRAVOS DA LIBERDADE...

Ao observarmos um grou, a mais alta dentre todas as aves que cruzam os céus, em sua linda dança e vôo planador de mais de 50 km por hora, ficamos a imaginar como livre deve se sentir este pássaro que já esteve presente em túmulos egípcios, canções russas, totens dos índios americanos, rituais dos aborígenes e na mitologia greco-romana. Só não sabemos é que até ele (o grou-de-pescoço-preto), que chega a habitar grandes altitudes, venerada como uma criatura espiritual pelos tibetanos, precisa fugir de seus algozes - mais precisamente o homem, que em caçadas ferozes os perseguem e os expulsam de seus derradeiros refúgios.

A dança e o vôo do grou é o retrato fiel de que a liberdade é uma promessa da vida que jamais será cumprida - não sem antes aprendermos que a liberdade pretendida pelo homem só poderá ser conquistada quando o mesmo se libertar dos grilhões da matéria. Aqui e agora o muito que podemos alcançar é uma liberdade vigiada pelos limites que respeitem as fronteiras. Quando adentramos, após tantas perseguições, no espaço do nosso espírito e o guiamos rumo à luz, então podemos dançar, voar sem limites e medo de sermos perseguidos, porque neste refúgio da alma nossos adversários não têm como nos expulsar - eles são acolhidos com as rosas mais vívidas e cheias de espinhos, que mostram nossa beleza e nos protegem de sermos arrancados abruptamente de nossa consciência reveladora que, nos confidencia o real sentido de sermos livres - sermos servos da luz, servos a iluminar com nossos exemplos o caminho migratório de volta ao grande renascimento do homem - crer que podemos ser somente o que somos, filhos de um Deus sem religiões, misérias, sangue, fome, corrupção ou que tenha um povo escolhido.

Epicteto, ex-escravo romano, filósofo estóico grego, conduzia seu vôo dizendo: “Pare de aspirar a ser outra coisa além do melhor de você mesmo. Porque isso está sob seu controle.” Mais à frente plantando suas rosas de todas as cores, regadas com a compreensão e música divinas conclui: “A escravidão do corpo é obra da sorte; a  escravidão da alma obra do vício. Quem goza da liberdade do corpo é escravo, se tem a alma acorrentada; quem tem a alma livre goza de toda a liberdade, embora carregado de enormes grilhões. A natureza acaba a escravidão do corpo com a morte, mas a da alma só termina com a virtude”.

Qual liberdade sonhamos? A liberdade perseguida do grou ou a liberdade da luz, que a princípio nos lança sem asas na escuridão a que se encontra o espírito, atrás das grades da natureza corpórea, para primeiro podermos aprender a enxergar com os olhos do coração? Os que escolhem a primeira alternativa conseguem longos vôos, até que cansados, enquanto dormem, são surpreendidos com um tiro sarcástico do seu predador natural - a morte física. Aos que assinalam a segunda opção, morrer não é o fim - afinal, ao descobrir os olhos do coração encontram as asas da vida  percebendo que a luz que faltava para guiar o espírito era justamente morrer para esta falsa liberdade da matéria que sempre diz: “conquiste a liberdade com um bouquet de rosas vermelhas”. Tola oferta, a liberdade só pode ser desfrutada diretamente da roseira, fora dela todas as rosas só anunciam a morte ao verem murchar a vida que pouco a pouco vai perdendo o seu perfume inigualável. Estamos sempre a nos instigar pelas rosas murchas, pelo brilho fácil das palavras soltas de desculpas, testemunho solitário de nossos espelhos, que sempre nos falam as respostas que queremos ouvir - assim somos amos e escravos de uma ilusão imperdoável, queremos enganar a nós mesmos de que somos livres ao invadirmos todas as fronteiras. Um grou não tem fronteiras, mas não pode se esquecer de que não é o seu próprio dono.

A liberdade pode ser comparada a uma Ferrari, dificilmente conseguimos comprar o último modelo, mas se ao alcançarmos tamanha façanha e não superarmos a tentação de guiá-la sem um curso preparatório, nos servirá apenas como uma arma, avançando todos os sinais, atropelando e matando muitos inocentes, cuja vítima mais que fatal será o próprio piloto.

Sir Walter Scott, célebre escritor escocês, em seus vôos pela literatura histórica, abriu as portas de nossas senzalas humanas e gritou para a alma: “Não interrompas o sonho do escravo. Quem sabe se, enquanto dorme, não sonha que é livre!” Algumas almas obedecem a este chamado e se tornam escravas da liberdade - aquela vivida nos sonhos, cheias de máscaras. Ralph Waldo Emerson insinuou o antídoto dessa loucura ao dizer: “O homem é livre, enquanto pode pensar”. Talvez em socorro do nosso escravo devêssemos repensar nossos conceitos de liberdade e, enfim, ouvirmos nossa alma - prisioneira de sentimentos superficiais, rotulados à escuridão dos cadafalsos humanos que cada vez mais enterram a esperança de sermos salvos pela liberdade do amor.


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