POESIA E PÁSSAROS AMEAÇADOS

“Patrimônio preservado é povo bem educado" SerPan

Em que pese ser o Pará e, em particular, sua capital, Belém, detentores de um dos mais ricos e diversificados patrimônios cultural e arquitetural, granjeados principalmente pelo fato de ter sido este torrão brasílico, ao longo dos séculos XVII e XVIII por suas riquezas naturais, representadas maximamente pelas assim chamadas “drogas do sertão”, o sustentáculo maior do império luso-brasileiro, que voltou para cá especialmente as atenções e cuidados e, depois, no século XIX e início do XX, com o fastígio da borracha, que conferiram opulência à capital paraense e a outras cidades do Grão-Pará, os sucessores desse áureo período não têm sabido manter incólumes esses estupendos bens materiais e imateriais que nos foram legados.

Estamos a assistir com um misto de desânimo e perplexidade, mas também com subida indignação ao quase desaparecimento de duas importantes edificações representativas do patrimônio cultural e arquitetônico de nossa terra. Queremos nos referir à chamada Casa do Poeta, em Icoaraci e ao Teatro São Cristóvão, em Belém.

A primeira é o imóvel em estilo colonial português situado na “rua da frente” (Avenida Siqueira Mendes, 585) da antiga Vila do Pinheiro, atual Icoaraci, “em frente ao mar”, como diz o poeta Antônio Tavernard em uma de suas mais belas poesias, intitulada “Similitudes”, que lá veio ao mundo e morou por alguns anos, cujo centenário de nascimento festejamos a 10 de outubro p.p. e que por sua reconhecida importância literária foi escolhido como patrono da XII Feira Pan-Amazônica do Livro, em setembro do ano passado.

Tavernard é, sem ponta de dúvida, um dos nossos poetas de primeira grandeza, em todos os tempos, conquanto tenha falecido precocemente aos 27 anos de idade, na plenitude de sua capacidade intelectiva e produtiva. A casa, que poderia vir a ser um ícone representativo do vate parauara e de sua obra literária e um marcante referencial da cultura, não só da assim chamada “Vila Sorriso”, onde se constituiria em verdadeiro tesouro histórico, como no geral da terra paraense, está em ruínas e cumpre urgentemente sobre ela intervir para que não a percamos de vez. Até aqui a única intervenção do poder público que se vê é uma placa trilíngue (português, francês e inglês) com os seguintes dizeres: “Casa do Poeta Antônio Tavernard. Casarão antigo do século passado”.

A outra é a antiga sede da União Beneficente dos Chauffeurs do Pará, situado na Av. Magalhães Barata, bem em frente ao Parque da Residência, na qual durante muitos anos funcionou, na parte posterior, o Teatro São Cristóvão, vulgarmente conhecido como o Teatro dos Pássaros, eis que lá era o local onde normalmente se exibiam esses conjuntos folclóricos da quadra junina, típicos de nossa região, bem como grupos de pastorinhas, bumbás e assemelhados, integrantes da cultura popular parauara, que ficam, assim, privados desse espaço acolhedor para seus folguedos.

O imóvel, do início do século passado, em 'art déco', era belíssimo e está em lastimáveis condições de conservação, com árvores (apuizeiros, embaubeiras) tomando conta das paredes e dos vãos, ameaçando ruir a qualquer momento e totalmente saqueado de pisos, telhado, forros, equipamentos e ornamentos. Cumpre assim pressionar as ditas “autoridades competentes” para que tomem providências, necessariamente urgentes, a fim de que não nos vejamos irremediavelmente privados de mais esses dois evocativos símbolos de nossa cultura regional e de nosso patrimônio arquitetural. Vamos à luta, belenenses! Não nos deixemos abater.

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES

E-mail: serpan@amazon.com.br

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 27/03/2009
Reeditado em 02/04/2009
Código do texto: T1508881
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