Desafio Literário: Cuidado com o que se deseja!

Desafio Literário: Cuidado com o que se deseja!

suzabarbi@hotmail.com

Quem nunca teve uma recaída na vida?

E pior, achar que vai dar certo.

Não dá.

Se tivesse que dar certo, teria dado no primeiro momento.

Aquele, quando você o viu e o mundo parou.

Se depois disso as almas gêmeas se estranharam, pode esquecer.

Provavelmente você errou de alma.

Assim aconteceu com Aninha.

Recém separada.

Convicta de que casamento nunca mais.

Começou a encontrar ex pra todo lado.

Foi só mudar de estado civil que eles começaram a surgir como se fossem amostras grátis de seu passado.

Manhã de domingo.

Ela parada no sinal vermelho.

Caiu na bobagem de dar aquela displicente (e sempre perigosa) olhadinha para o carro ao lado.

E lá estava ele: o ex com quem viveu uma rápida, porém avassaladora paixão.

Ele, ao vê-la, passou a fazer sinais como se fosse professor de mímica.

Entusiasmado.

Entre um gesto e outro, pediu para que ela parasse logo à frente.

Ela obedeceu com o coração aos pulos.

Depois de abraços, beijos e uma conversa sem pé nem cabeça, resultado de adrenalina pura, trocaram os números dos celulares e juraram se falarem.

Mal ela engatou a primeira, o celular tocou.

Era ele!

- Nosso encontro foi muito rápido, mas não pude deixar de perceber o quanto você está linda!

Ela temeu pelo estado da visão dele, porém não estava em condições de descartar tal elogio.

- Você também está muito bem, respondeu sem muita convicção.

Na realidade, ele pesava uns 20 quilos a mais!

- Tem algum programa para hoje à noite?

- Não, por quê?

- Que tal um vinho na minha casa? Passo para te pegar às oito.

- Tá bom! Mas posso ir no meu carro.

Na realidade, estava querendo que, depois do encontro, cada um cuidasse do carro e da própria vida.

- De jeito algum! Faço questão de buscá-la.

Às 8 horas em ponto, de buquê em punho, ele bate a campainha.

Ela, há muito mulher de um homem só, não teve como disfarçar a falta de graça.

Constrangimento à parte, chegando ao apartamento dele, viu que o local estava totalmente preparado para o abate.

Logo ele puxou duas taças e com muito charme serviu-as de vinho.

Foi aí que ela teve a primeira surpresa da noite: ele tinha-se tornado um sommelier.

Isso.

Daqueles, que ficam balançando a taça, cheirando seu conteúdo e listando os vinhedos e os países que aquele tipo de uva é cultivado.

Enquanto ele dava a aula, ela aproveitava para tomar mais um golinho.

Ficou tonta com o que já não sabia se era vinho francês, português ou árabe.

O “abate” propriamente dito teve que ser adiado.

Ele a levou para casa, prometendo, se é que ela podia lembrar direito, que ligaria no dia seguinte.

Acordou com a cabeça latejando e com o telefone tocando.

Era ele.

Queria saber se podia buscá-la para almoçarem juntos.

Na guerra da conquista, vale tudo.

Tomou uma ducha e lá foi ela jurando que se ele viesse com mais uma história de vinho, jogaria a garrafa na cabeça dele.

Levou-a para almoçar num restaurante quatro estrelas.

Daqueles com mil copos e talheres ao redor.

Como moça muito bem educada, ela deu baile.

A conversa dele foi enfeitiçando Aninha.

Assim como o vinho, ele parecia ter ficado melhor com o tempo.

É certo que não perdeu aquela mania de grandeza que, em épocas de namoro adolescente, fazia dele um chato.

Com um pouco mais de convivência, percebeu que ele não era dado a amigos.

Parecia viver muito só, coisa que apenas ajudou a fazê-la se sentir ainda mais apaixonada.

Quando sua paixão estava no auge, ele sumiu.

Não atendia celular, não respondia seus e-mails, não entrava mais de madrugada no msn para tirar-lhe o sono e deletou o orkut.

Ela ficou doida.

O quê teria acontecido?

Fez uma pesquisa alucinada pela internet e nada achou.

Não satisfeita, foi ao prédio onde ele a tinha levado.

O porteiro informou que se tratavam de apartamentos mobiliados, geralmente alugados para executivos, que passavam apenas alguns dias na cidade.

Seu mundo ruiu.

Chorosa e desgostosa contou sua triste história para a amiga.

- Esse sacripanta é casado!

Foi aí que Aninha chorou de alto e bom tom.

- De jeito nenhum. Ele saía comigo quase todos os dias. Almoçávamos juntos. Fui até ao apartamento dele...

- Apartamento alugado para executivos, né Aninha? Lembrou a amiga.

Chorou um dia.

Chorou uma semana.

Daí o choro virou raiva.

Cumé que um gordo, balofo, feio, megalomaníaco, metido a conhecedor de vinho, podia ter feito isso com ela?

Ah! Mas aquilo não ia ficar assim.

Se ele fosse casado, não importasse com quem, a mulher dele nunca mais teria aquilo que ela, por tontura ou por absoluta falta de tempo, não tinha experimentado!

Alguns meses se passaram.

Aninha era uma alegria só.

Promovida, nas vésperas de viagem para o exterior, resolveu a fazer as últimas compras para a longa viagem de navio.

Foi quando viu uma colega de universidade, muito amiga na época, depois sumida pelos caminhos da vida.

Nem acreditaram.

Seria mesmo possível depois de tantos anos?

Em pouco tempo ficou sabendo que a colega tinha cinco filhos com dois maridos diferentes e que já estava separando novamente.

- Mas como se separa com tanto filho?

Quis saber Aninha.

- Na certeza de que não vou ter mais nenhum.

A amiga respondeu dando de ombros.

- Seu marido não quer mais criança?

- Não pode!

- Operou?

- Não!

- Mas o quê houve afinal? Aninha preocupou.

Naquele momento, o tal marido sai do outro lado da loja e vem andando em direção a elas.

Preocupado em colocar o cartão de crédito na carteira, não pode ver a cara de assombro de Aninha.

Ninguém menos que o ex desaparecido, que estava para se tornar ex marido também.

Mal conseguiu escutar as últimas palavras da amiga:

- Sexo para mim é tudo e pelo visto com ele...

Jurou que praga, nunca mais!

Réplica ao desafio feito pelo talentoso amigo recantista Josadarck

Álvaro Luís

http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/1500477

Josadarck:

http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1524151