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Mulher de vida fácil

          Posso estar equivocada, mas VIDA FÁCIL parece ser tudo o que as profissionais do sexo, ao menos as que observo no meu cotidiano, gostariam de ter, a despeito  da “sugestão” do título .
             Explico o “meu cotidiano”: moro num bairro da capital das Alagoas que é uma praia um pouco afastada do centro, um bairro comum, de poucos edifícios, muitas casas, alguns condomínios e vários hotéis, fato que, talvez, acho eu, faça o nosso convívio com a prostituição ser diário e quase banal.
           Contudo, há mais ou menos 05 ou 06 anos atrás, a história não era bem assim. Eram comuns os discursos inflamados de algumas mulheres, indignadas em dividir espaço, nos pontos de ônibus, com “aquelas vagabundas”, como a elas se referiam, mesmo que nenhuma desconhecesse que a rua é pública e o direito de ir e vir está assegurado constitucionalmente.
            Embora buscasse compreender quem assim se sentia, pessoalmente, nunca me senti “incomodada” com suas presenças. Sempre olhei e olho para elas, as que trabalham ao lado do ponto de ônibus mais próximo de minha casa, e vejo mulheres comuns, com marcas de violência pelo corpo, aparência de descuido com os dentes, com os cabelos, com as roupas. Jovens, quase todas elas, mas já envelhecidas, gastas.
         Pela manhã , quando saio para o trabalho, lá estão elas, com suas saias diminutas, seus saltos, seus decotes e seus perfumes chamativos. Aproximo-me, porque duas ou três ocupam o banco, protegendo-se do sol, na marquise. Cumprimento-as e aos demais no ponto com um bom dia e, da primeira vez, olharam-me admirada. Ultimamente algumas já arriscam um sorriso amarelo, outras saem de perto, voltam para a esquina e ficam ao sol.
                Com esta “proximidade” não é de se estranhar que eu, curiosa como um vira lata, “pesque” algumas conversas. Exemplo: que elas fazem um programa por 30, 20 ou até 10 reais, que aceitam (ainda, meu Deus!) sexo sem camisinha se o cara paga mais um pouco, que muitas delas já foram casadas, que são arrimo de família e tantas outras informações.
                Escondida nos óculos escuros, também observo, achando graça nos clientes que passam devagar, nos seus carros. Alguns param mais adiante, elas correm para atendê-los, outros, que conheço, aceleram e vão embora fingindo uma pressa que até então não tinham.
                Senhores respeitáveis fazem uso corriqueiro dos serviços das meninas. As escapadelas são no começo da manhã, no horário do almoço e ao final da tarde. Pela noite não trabalham ali, pois seus assíduos clientes estão nos compromissos sociais com suas digníssimas famílias e amigos.
            Certo dia, por volta das oito horas da manhã, aguardava um ônibus e me vi só no ponto. As duas moças que ali estavam arranjaram clientes e se foram e fiquei distraída olhando o mar, quando para um carro do meu lado. Era um super carro (sou totalmente ignorante com relação a marcas e tipos), vidros fumê, som ligado. Um senhor aparentando uns 60 anos me aborda:
              - Olá, posso te levar a algum lugar?
               Em questão de segundos imaginei o que o fez pensar que estou ali a trabalho... Com um vestido de algodão bege, bordados na barra e abaixo dos joelhos, sandálias e bolsa de couro, óculos escuros, cabelos soltos recém lavados, maquiagem leve, pasta de papel na mão.
        - Nada na minha aparência, pensei eu, lembra as moças que aqui trabalham. O que o teria atraído em minha figura? Será que gostava das mais velhas ou era míope mesmo? Ou seria apenas o fato de estar no “ponto”?
           Tirei os óculos, olhei bem para o “pretenso” cliente e perguntei: - Senhor, isso aqui lhe parece um ponto de ônibus?”
            - Sim, respondeu surpreso.
            - Pois acredite... É UM PONTO DE ÔNIBUS mesmo e eu estou exatamente aqui esperando um, já que meu local de trabalho não é aqui!
          O olhar de espanto do homenzinho era visível. Murmurou um “desculpe” entre dentes e arrancou. Fiquei morrendo de rir imaginando o que estaria pensando aquela criatura... animado para uma rapidinha logo cedo e tropeça numa engraçadinha, fazendo ironia.
         Dias depois, numa atividade do meu trabalho fui apresentada a um senhor perfumadíssimo, metido num terno bem cortado e de notbook  á tiracolo. Surpreso, retribuiu meu cumprimento e, visivelmente desconfortável, se afastou, não sem antes perceber meu olhar de troça... aquele bem do tipo “eu sei o que você fez no verão passado”.
           Ainda bem que não me perguntou “de onde te conheço”, pois certamente a resposta que ouviria, não cairia bem, diante da platéia ouvinte, para um nobre representante de um cargo público do alto escalão e,  de verdade,  acho que vida fácil é a dele.