NÃO FAÇA ESCOLHAS...

Em 1601, Francis Bacon, filósofo e conselheiro da corte inglesa, se viu sitiado por uma enorme escolha. Bacon recebeu da Rainha Isabel I a incumbência de preparar as provas legais para assegurar a condenação, por traição, de Robert Devereux, Conde de Essex, um dos seus melhores amigos. Ele nada sabia da conspiração do Conde contra a rainha, ainda assim fez sua escolha prática e redigiu “A Declaration of the Practices & Treasons Attempted and Committed by Robert, Late Earle of Essex”, que formulava os acontecimentos e concluía ser Robert o traidor. O Conde foi condenado à morte e executado no mesmo ano. Mais tarde, em 1604, numa tentativa desesperadora para explicar sua atuação contra o amigo, escreveu “Sir Francis Bacon His Apologie, in Certaine Imputations Concerning the Late Earle of Essex (” Esclarecimentos acerca das Imputações Relacionadas ao Recém-Falecido Conde de Essex”) nos quais se defendia contra a acusação de deslealdade, afirmando que um homem honesto prefere Deus a seu Rei; seu Rei a seu Amigo”. Teria assim apenas cumprido seu dever.

Dia a dia somos levados a esta escolha de Francis Bacon em função da retórica de estarmos cumprindo o nosso “dever”. Não importa quem ou o que esteja à nossa frente, pisamos fundo na inconsciência e passamos como rolo compressor por cima de valores tão essenciais à felicidade - a lealdade é uma dessas bandeiras, desfraldada na luta diária logo no início de cada combate. Traímos defesas de ideais politicamente corretos com um venturoso flerte na lei do mais forte. Seqüencialmente, como Bacon, investimos nas escolhas que nos conquistem as glórias mais burras - preferimos servir a majestade de todos os poderes e as intrigas do reino a sermos o bobo da corte. Quem ousaria reclamar sua consciência a atirar contra a própria cabeça a ter que executar, no paredão da vida, o seu melhor amigo, irmão ou até mesmo seus pais? “Difícil responder” - esta é a resposta mais convincente da qual deliciosamente servimos banquetes, regados pelas mais variadas tragédias cotidianas, antecipadas por escolhas, cujo único objetivo é levar vantagem.

Tudo, cruelmente tudo, levianamente tudo, impossivelmente tudo, prazerosamente tudo, amavelmente tudo, tudo…tudo e todos os caminhos parecem fatalmente nos levar a fazer escolhas. Sou um fiel seguidor de que não devemos escolher qual trilha seguir, pois a escolha sempre advém da lógica, uma forma pobre de raciocinar sobre o amor e a vida.
Quando estamos envoltos na mais completa sinceridade, a mente se cala a todos os argumentos que levam a escolhas. Profundamente refletida sobre nós recai o manto de luz que nos acolhe, assim, somos nós os escolhidos pelas trilhas que, arduamente prepara-nos para adentrar numa vida sem escolhas. Se Deus não faz escolhas porque nós haveríamos de fazê-las? Deus simplesmente é a própria escolha, a própria trilha. É certo de que não somos o Deus creador (com “e” mesmo), mas herdamos Dele o poder para recriar a própria consciência - tornando-a rica em lealdade para com os verdadeiros sentimentos - aqueles que fortalecem o espírito, convictos de que sua missão, ao contrário de Bacon, é preferir o Amigo ao Rei, o Rei a Deus, porque sabe que Deus está imanente nas primeiras coisas, sendo impossível amar a Deus se não amar seu pior inimigo. Primeiro o próximo, depois Deus - esta é a melhor de todas as orações de amor. Deus sempre deve ser o último diretamente a ser amado. Deixá-lo em último plano abre a porta de todos os céus. Que outra forma maior de amar há senão honrar primeiro a creação e depois seu creador? O amor recriado assim é um elogio perfeitamente dirigido a Deus.

Jesus entrou numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa. Tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta, porém, andava preocupada com muito serviço; e aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá que minha irmã me tenha deixado a servir sozinha? Dize-lhe, pois, que me ajude. Respondeu-lhe o Senhor: Marta, Marta, estás ansiosa e perturbada com muitas coisas; entretanto poucas são necessárias, ou mesmo uma só; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (Lucas: 10,38-42). Qual escolha fez Maria? Muito simples, ela escolheu a “boa parte” - A parte que não significa escolha alguma. Significa somente que Maria jamais deixou calar aquela voz sedenta de amor divino no seu coração, por mais que fosse cobrada a declarar injustiça aos seus amigos. Deste modo, quando ouviu Jesus, pôde reconhecer aos seus pés que, enfim, sua sede havia terminado por ter amado primeiro a creação - agora era chegada a hora triunfal de amar, amar e amar a Deus sobre todas as coisas. Salvemos portanto a nossa “Marta”.

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