1905

Restava algo próximo a cinco minutos para o fim do ano. Heitor não se conformava com a maneira na qual estava vivendo aquele momento, já que esse período de festas sempre foi algo cercado de grandes comemorações em sua vida. Enquanto olhava o relógio, preso ao seu bolso por uma corda encardida, o rapaz passava a mão sobre o vidro grosseiro do objeto, limpando as gotas que anunciavam uma chuva intensa. A contagem regressiva começava, assim como as lágrimas do jovem pintor, lamentando a situação crítica em que se encontrava, com fome e imundo, sem pessoas conhecidas para abraçar e nem sequer alguém que falasse sua língua. A água caía enquanto ele caminhava desolado, chegando à base da torre mais famosa de Paris.

Enquanto subia a torre e visualizava os fogos, vindos de todas as direções, Heitor invejava as pessoas felizes em suas confraternizações.

- Maldita torre! Tomara que seja demolida...

- Realmente, ela será! - disse uma voz inesperada, no mais nítido português – daqui a quatro anos, terminará o contrato dessa exibição. É uma pena, pois seria inteligente deixá-la exposta para sempre.

Um rapaz baixinho, de chapéu, com um bigode singular, aproximou-se de Heitor, inquirindo-o a respeito de sua aparente tristeza.

- Esse lugar é amaldiçoado! - praguejava, Heitor – Vim do Brasil, esperando que minha arte fosse reconhecida, mas essa imagem de “cidade da arte” não passa de ilusão. Minhas economias acabaram-se e nada consegui com meus quadros.

- Calma, rapaz. Com empenho e paciência pode-se atingir até as nuvens.

- Balela! Já fiz tudo que poderia ser feito para atingir minhas metas...

O jovem pintor continuava com suas reclamações, enquanto seu interlocutor de chapéu apenas o ouvia com uma expressão grave de desapontamento.

Ao fim do discurso pessimista, houve uma pausa na conversa. Enfim, o homem de chapéu se apresentou. “Chamo-me Alberto”. Hélio ficou curioso por saber o que Alberto tirava do bolso, até que notou se tratar de uma espécie de pulseira, mas com características que ele nunca vira.

- Veja bem: isto é um relógio de pulso. Quero que guarde-o para si, como uma recordação das minhas palavras. Se não valesse a pena correr atrás de um sonho, por mais impossível que ele pareça, eu nunca portaria esse invento, o qual espero que o mundo reconheça.

Alberto se despediu de Heitor, desejando-o feliz ano novo, enquanto olhava o relógio em seu pulso. O rapaz se manteve na beira daquela grade, apreciando seu presente com atenção, para então tentar prendê-lo ao pulso.

O tempo passou. Dia após dia, o jovem pintor seguia sua vida. Heitor abriu o jornal, como sempre faz ao chegar em seu ateliê, sentado no banco de madeira onde trabalhava em suas pinturas, surpreendeu-se com uma notícia: “Brasileiro consegue vôo em veículo mais pesado que o ar”. O rapaz, abismado, pegou o relógio que já não mais funcionava, em seu bolso, e lembrou da frase do desconhecido de chapéu: “...até as nuvens.”. Heitor abriu um sorriso e pôs-se a pintar.

Cinco anos depois, o relógio de pulso havia se tornado popular e a torre não havia sido demolida. “Bendita torre”.

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Nota: Apesar dos irmãos Wright já terem feito um avião voar em 1903, eles usaram o auxílio de uma catapulta, não sendo impulsionado apenas por um motor.

Rafael S P Valle
Enviado por Rafael S P Valle em 24/03/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1503409
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