O Excretor

Desde pequeno sempre fui um contador de histórias, naquela época eu era chamado de mentiroso. Fui levando a vida assim, no bico. Na escola eu dizia que era filho de rico, que meu pai era tudo aquilo que eu gostaria que ele fosse, que tínhamos uma vida de luxo e regalia. Uma mentirinha à-toa. Pode parecer estranho, mas foi a maneira que encontrei para alimentar minha alto estima e me manter no jogo. Mas isso eu só fui perceber depois, com as reflexões da vida adulta. Mentia para criar um mundo suportável em minha volta. Uma espécie de “A Vida é Bela”.

Nunca acreditei que havia nascido para o fracasso. Queria ser admirado, amado. Queria que minha família se orgulhasse de mim. Queria ser aceito pelos coleguinhas. Criava um mundo e vivia nele. Se não era bonito, tinha ao menos que ser charmoso. Se não era inteligente, tinha ao menos que ser popular. Se não era rico, tinha ao menos que acreditar que era. Um dia descobri que podia viver disto, ou sobreviver disto, de criar universos, vidas e histórias. Foi ai que tudo começou a fazer sentido.

Vou ser artista, adeus mundo real! Disse isso a mim mesmo em algum momento de minha mocidade. Quando você chega nesse lugar de raciocínio descobre que aquilo que parecia ser real é uma grande mentira repetida muitas vezes todos os dias. Eis uma verdade. Descobri que somos todos personagens. Representamos diversos papeis no dia à dia. Percebi que não era um mentiroso, pelo menos não mentia sozinho. Somos mesmo contadores de historias. Tudo isso me abriu um mundo de possibilidades.

Meu primeira trabalho em teatro foi uma peça que escrevi e dirigi, chamava-se “Jaguanum - A Cidade Imaginária”. Falava de uma crença passada de pai para filho. O personagem (Tupã) acreditava que, chegada a hora, tinha de sair pela floresta caminhando até o cansaço vencer a realidade. Foi assim com seu avô, com seu pai e agora havia chegado sua vez. Somente assim encontraria a Jaguanum, o seu descanso eterno. No entanto, ao morrer, Tupã descobre uma outra realidade tão fantástica que o passado já não importa mais.

Meu avô dizia que era besteira ser ateu, que o melhor era acreditar em Deus, pois se depois da morte não houvesse nada, fosse apenas o vazio, a escuridão, não haveria arrependimento, pois o nada não se arrepende. Vai vê ele estava certo, até hoje não voltou para me contar. Sigo acreditando.

Depois que descobri que a única verdade é que todos vamos morrer, que eu não havia nascido para ser escravo, foi fácil quebrar as correntes e colocar a cara para fora da grade. Viva! Eu só precisei acreditar para sair do lugar.

Excreção - mecanismo pelo qual o organismo se liberta dos resíduos do metabolismo, a maioria tóxicos. A maior parte dos animais apresentam sistemas excretores eficientes, que contribuem também para a manutenção da composição do meio interno.

Do jeito que as coisas vão o “futum” vai tomar conta, mas um pouco e a coisa vai feder de dentro para fora. Cagaram no mundo dizem os otimistas e foi merda mole sussurram os pessimistas. Eu que sou apenas um contador de história vou me abster com bosta até o pescoço. Não a nada de errado com o planeta, são só algumas cólicas intestinais. Logo tudo passa, tudo passará. Acho que é por isso que adoro escrever. Adoro passar o tempo tentando encontrar a melhor maneira de contar uma boa historia. Todas elas são boas e verdadeiras. A verdade é uma mentira bem contada. A realidade é só uma ficção.

Qual o seu propósito? Estudar, trabalhar, comprar um carro, comprar os amigos, comprar uma esposa, comprar os filhos e morrer? O ultimo já podemos eliminar da lista, morrer não é um propósito é um fato. Todos os outros propósitos foram dados a você junto com a certidão de nascimento. Só esquecem de nos dizer que somos animais, no máximo nos ensinam que somos animais racionais. Os outros por falta de raciocínio podem morrer. Nem tem alma, vamos por eles todos numa jaula. Assim é feita a grande ficção social dos seres humanos, animais racionais, os predadores no topo da cadeia alimentar. Daí criamos deuses tirânicos, disciplinadores e escravizamos uns aos outros. Vamos tentando nos manter vivos até que a morte nos separe. Somos os babacas do mundo?

Como disse antes sou um otimista. Otimismo! Nós criamos o cinema, a pintura, o teatro, a dança, a literatura e uma infinidades de coisas belas, que até podem nos elevar a outra categoria que não a dos bacabas racionais.

É preciso fazer com que o mecanismo pelo qual o organismo se liberta dos resíduos tóxicos funcione. O sistema excretor busca atingir o equilíbrio do meio interno. Devemos eliminar aquilo que nos decompõe. A ignorância, a tirania, o egoísmo e etc.

Temos uma missão, não devemos deixar de acreditar que para cada um de nós existe um propósito, por nós, por nossos filhos e para os filhos dos nossos filhos. Se não podemos acabar com as ficções sociais, vamos ao menos, criar outra em que todos nós possamos viver juntos de forma justa e em comunhão com a natureza, da qual fazemos parte. Antes que ela comece a nos ver como excremento e mande todos nós para o cú do mundo e ai vai ser uma cagada só. Imagine a quantidade de merda.

Ideologia, quero uma para viver!

Macaco Pelado
Enviado por Macaco Pelado em 23/03/2009
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