CRIMES "MAIS" QUE PERFEITOS...

Há milênios um tipo de crime vem sendo praticado sem que ninguém descubra o assassino. Tentando esboçar um retrato do criminoso, a Rainha Cristina da Suécia arriscou: “Ele parece misterioso, mas não passa de um ignorante”. Jean M. de La Bruyére, o mais conhecido filósofo moralista francês, indignado com tantas atrocidades cometidas pelo experiente serial killer não se conteve e sacou com palavras de grosso calibre: “Ele é o espírito dos tolos”. As provas dos crimes são tão invisíveis que François, Duque de La Rochefoucauld, outro moralista francês, respondeu a si mesmo: “Facilmente nos esquecemos dos crimes que ele comete”. Osama Bin Laden, o assassino mais famoso da história atual, é senão um inocente se for comparado àquele que Alfred de Musset, mais um francês na artilharia de ataque, desta vez poeta, diz ser um “severo deus, irmão da morte”.

O assassino sem rosto, ao contrário de Osama, é um Senhor afável e responde sempre aos nossos educadores, pastores, padres e gurus com um elegante assentimento mudo. Jamais evoca-nos a chama da rebeldia - é mais prazeroso para ele ver como dia-a-dia morrem crianças indefesas, velhos asilados, jovens drogados, mulheres estupradas e tantos outros “orgásticos míseros celebrados”. Os líderes espirituais vêm e dizem que Deus está nos campos de trabalhos forçados, de que é preciso um autoflagelo para conhecer a tal felicidade e expulsam-nos para um autêntico purgatório da ficção hominal.

Por vezes queremos discordar de tantos caminhos a que somos obrigados a caminhar, mas o assassino secular que já matou nossos antepassados é mais convincente do que nossos argumentos e nos faz baixar a guarda com suas manobras traiçoeiras.

O professor ensina-nos o que ouviu e leu nos manuais, não o que aprendeu com a sabedoria e respirou dos sentimentos - sabemos com todas as letras desse erro grosseiro, mas quem, convulsionado pelo medo deste assassino sem rosto ousaria desafiar convicções tão bem forjadas da nossa história? Nossos pais, generais deste assassino, são os mestres mais eloqüentes ao permitir que sejam substituídos pelos ensinamentos desta grande besta - a liberdade escrava que ensina: “ser livre é pensar como todo mundo pensa”. Quando aventuramos a perguntar obre o amor, o general rispidamente responde: “Há outras coisas mais importantes, vencer, por exemplo, por isso se preocupe primeiro em ser médico, engenheiro, advogado, foi para isso que te criei, é para isso que trabalho dia e noite como um condenado, para você ser gente - esqueça o amor, quem se aventura por esta trilha acaba na fogueira, na cruz ou pior que isso, no esquecimento. Amar é coisa para retardados”.

O assassino é tão vivaz que permite-nos certo assombro diante de alguns acontecimentos. Muitos ficaram horrorizados com a tragédia Russa, em que separatistas chechenos mataram 360 pessoas, entre elas 156 crianças. Nada de absurdo haveria com a nossa dor se ela não fosse uma camuflagem perfeita para o assassino sem rosto continuar matando todos os dias pelos quatro cantos da terra - Ele não mata só os corpos, transforma, com astúcia, espíritos brilhantes em meras vacas de presépio. São elas as verdadeiras armas dos terroristas, da corrupção, das tragédias familiares, dos cadáveres expostos por lutas ditas divinas e da morte de esperanças num mundo melhor.

Quando estamos chegando quase perto de descobrir a verdadeira identidade do assassino de Cristo, Mahatma Gandhi, Martin Luther King ou mesmo daquele mendigo morto de fome na esquina, eis que vedamos nossos olhos e protegemos o inimigo com uma óbvia conclusão de Wertheimer, psicólogo gestaltista: “É quase com mais alegria do que indignação que revelamos os crimes alheios”.

Que criminoso é este que nem Deus seria capaz de descobrir, já que teríamos de escolher qual Deus, entre tantos que se pregam, o julgaria? Que criminoso é este que transforma vítimas em cúmplices de outros crimes?

“SILÊNCIO”, este é o nome quase inaudível responsável pelos nossos crimes mais que perfeitos - silenciosos e consentidos. É o nosso silêncio que concorda com os tormentos mais profundos e aprisiona-nos o grito da genuína liberdade e solidariedade crística. É ele que nos faz baixar a cabeça diante de tanta violência - que de vencedora contumaz já não acredita que sejamos mais capazes de triunfar em nome do amor.

O romancista, Honoré de Balzac, outro francês no front a perseguir o assassino, derrotou de vez seu algoz ao perceber: “O Silêncio ouve-se”. Só a este silêncio deve se guardar para ouvir a alma e refletir que somos bem mais que meras pedras a construir muros sobre nós mesmos. Pio Baroja, escritor espanhol, compreendeu este “Silêncio que se ouve” e ousadamente disse: “Há homens que nasceram para ser pedras dessas torres que se fazem, como a de Tamerlão, com cadáveres humanos; eu não tenho vocação para pedra”.

Resta saber quanto em nós ainda resta que não seja aquelas pedras que em nome do tal “SILENCIO ASSASSINO E DOS CRIMES MAIS QUE PERFEITOS” atiramos todos os dias.

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