Já não tenho dedos...
Há uma folha em branco, ávida de memórias e de histórias que saltam do teclado mudo que contemplo, buscando palavras que possam dar sentido ao texto oculto que escorre da necessidade de escrever.
Meus dedos longos deslizam no labirinto das teclas e, enquanto os observo na dança do dizer, penso em todas as coisas tangíveis, que por eles foram tocadas. Diz a letra da música: “já não tenho dedos pra contar – de quantos barrancos me atirei – de quantas pedras me atiraram – e de quantas atirei.”
Talvez faltem dedos e sobrem pedras - talvez sobrem dedos e faltem palavras. Não sei. Meus dedos talvez me perdoem um dia, enquanto instrumentos, das tantas marcas impressas pela vida; das escolhas digitais impregnadas do paradoxo entre a razão e a emoção. Seria bom que me perdoassem pelas escolhas que não acertei, e pelas tantas outras que não me permiti e, talvez não me permita mais.
Um dia, quem sabe, eles entendam que as marcas que carregam são signos da história que juntos escrevemos, a despeito das despedidas e regressos que vivemos. Tomara que entendam também, que entre os gestos dos quais participaram, em muitos, eles afagaram. Nem sempre foram precisos, nem sempre tiveram juízo, mas participaram.
Que estes dedos longos e ágeis saibam que existem momentos frágeis e, que a vida é assim... Feita dessas coisas imprecisas, coisas que talvez eles não consigam tocar e fazer contas. Mas que na folha em branco, lhes é permitido manipular.
Às vezes, na ausência das palavras certas sobram dedos exatos que contam histórias de pedras e flores pelos caminhos que nos aventuramos, assim como esta tentativa de crônica que pousa, agora sobre uma página em branco.