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O computador ali me desafiando. Velha. Fora de moda. Defasada. Analfabeta virtual. Não chego para o seu bico. Lesa. Atoleimada. Vá para a cozinha que lá é o seu lugar. Ah, é assim, decifra-me ou te devoro? Bicho ousado, mal agradecido. Você está aqui porque paguei. Eu pago a energia, a conta da internet.

A iluminação azulada me despertava instintos bestiais. Veja, nunca pensei em dizer instintos bestiais, todos já disseram esta expressão feia. Quero mesmo é quebrar você. Li que o computador é uma caixa vazia, uma máquina burra. Burro, seu burro. Feio, quadrado. Idiota. Depósito, pedaço de mau caminho. Pardieiro. Pê u teiro. Manhoso. Desdobreiro. Também já odiei a palavra desdobreiro, hoje acho doce. Você, computador, é um desdobreiro. Desencaminhador de mulher direita.

Aquele silêncio irônico me enervava. Enervava, não, destruía, aniquilava. Computador, filho de uma mãe com muitos pais. Veja seu nome, com puta dor. Diga-me com quem andas...

E os adolescentes, tec tec tec tec tec tec Tantas fotos. E eu de olho. E eu na fome. Não dormia. Saia, mãe, computador é coisa para jovens. Você não sabe. Paguei caro pelas vezes que disse o mesmo quando tinha dezoito anos de idade. A vida não dispensa.

Chorava de raiva. Sonhava tec tec tec tec tec tec tec. Mais rápida que os jovens. Estudei datilografia. Comecei a ofender o computador. Você é só uma máquina de datilografia num modelo novo. Um monte de carinhas, desenhos se movimentando na tela azul. As letras pulando. Os jovens felizes. E eu pagando, otária. Sim, reclamei tanto de dizerem otária. Eu era uma legítima otária.

Ninguém me notava mais. Chegasse perto, falasse, perguntasse, que stress, saia coroa. Prestou não. Tudo, menos coroa. Coroa era a pqp, isto é, eu mesma. Coroa foi o incêncio. Amanhã vocês me pagam caro. Não paguei a conta da energia, nem a do provedor. Corte.

Mãeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!

Saiuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! Fugiuuuuuuuuuuuu! Todo mundo para a lan.

Paguei tudo. Ôba, tem energia! Sentei na frente do PC. Daqui ninguém me tira. Sai, não sai. Vai, não vai. Coroa é sua namorada, seu noivo também, aquele feioso. Foraaaaaaaaaaaa! Foram para a lan. Todo dia isto. Não tiveram sucesso em me tirar da frente do PC. Coroa. Chorei muito. Não sabia se ligava na TV ou na caixa. Olhava para tudo com cara de King-kong. Pois é meu, eu paguei, vou mexer em tudo.

O computador me fazia perguntas. Fiquei com medo. Quem estaria dentro do monitor? Eu estava de sutiã. Será que está vendo? Fui respondendo. Sim. Não. Talvez, não tem. Clico, clicas,clica, clicamos, clicais, clicam. Como é bom clicar. Tome clic. Deseja salvar as alterações? Não. Ai, meu Deus, perdi tudo. Deseja? Sim.

Ninguém ousava mais desafiar a ex-rainha do lar e das escolas. A aposentada publicando nos sites de literatura, recebendo e enviando e-mail. Mãe, faço um Orkut pra você. Ei, me ensine a pesquisar. Pai, mãe está conversando no MSN, acho que tem um paquera. Será?

Quero almoçar. Quero a camisa. Quero os sapatos. Onde está minha toalha. Eu lá naufragando no Google. É doce morrer no Google. Onde estão minhas meias? Espere aí que vou colocar na barra do Google. Coloquei: onde estão as meias de Jorge? Pois não é que o Google me respondeu? Experimente.